segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Eugenia: A apologia científica do racismo

Eugenia: A apologia científica do racismo

RESUMO
O termo Eugenia designa uma série de atos que visam o suposto melhoramento das futuras gerações através do controle social, ao mesmo tempo em que procura deter o avanço dos grupos ditos, “menos adaptados”, impedindo o enfraquecimento das qualidades raciais. Usa como base os dados colhidos pelo naturalista britânico Charles Darwin, publicados no livro “As origens das espécies” de 1859, as teorias de Thomas Malthus, economista britânico e as ideias de Herbert Spencer, também britânico, filósofo criador do “Darwinismo Social”. Ganhando força principalmente nos Estados Unidos, a Eugenia originou também a “eugenia nazista”culminando no Holocausto.

Palavras chaves: eugenia, racismo, Holocausto, genética.

ABSTRACT

. The term eugenics refers to a series of acts aimed at the supposed improvement of future generations through social control, while seeking to stop the advance of the groups said, "less adapted", preventing the weakening of racial qualities. Uses based on data collected by British naturalist Charles Darwin published the book "The Origins of Species", 1859, the theories of Thomas Malthus, a British economist and the ideas of Herbert Spencer, also British philosopher, creator of "Social Darwinism". Gaining momentum especially in the United States, Eugenia has also led to the "Nazi eugenics" culminating in the Holocaust.

Foi em 1883 que o antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), cunhou a palavra “Eugenia”, que de sua origem grega, podemos tirar o significado “o bem nascido” (CASTANEDA, 2002, p.2). Com o intuito de estudar os processos pelos quais se pode melhorar a espécie humana, a eugenia estava apoiada em três ideias, a saber:


a)      Teoria da evolução natural de Charles Darwin
Galton se impressionou com as ideias sobre a “sobrevivência do melhor adaptado”, de seu primo, o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), exposto no livro “A origem das espécies”, de 1859.  Formulou a teoria de que para um melhoramento das sociedades humanas, somente os mais bem adaptados deveriam reproduzir-se, enquanto que o crescimento das populações pouco adaptadas deveria ser combatido pelo Estado.

b)      Teoria do aumento populacional de Thomas Malthus
A teoria de que a população cresceria de tal forma, que seria impossível gerar recursos de vida para todos. Hoje sabemos que tal teoria é equivocada, pois temos a tecnologia necessária para produzir recursos do que o suficiente, estando a falha somente na forma como esses recursos estão sendo distribuídos[1]. Contudo, em 1789, Malthus acreditava na necessidade do controle populacional, para evitar o caos. “Malthus (...) chegou a defender que em muitas instâncias a assistência caritativa promovia a pobreza de geração a geração e simplesmente não tinha sentido no processo natural do progresso humano”(PEDROSA, 1999, p. 3)

c)       Darwinismo social de Herbert Spencer
A teoria de que o homem evoluía por meio de sua natureza hereditária era defendida, no século XIX pelo filósofo inglês Herbert Spencer. Acreditava que os mais capazes continuariam a se aperfeiçoar e que os menos capazes se tornariam ainda mais incapazes com o tempo. Dizia ele: “Todo o esforço da natureza é para se livrar desses (incapazes) e criar espaço para os melhores... Se eles não são suficientemente completos para viver, morrem, e é melhor que morram (...). Toda imperfeição deve desaparecer” (PEDROSA, 1999, p.3)

Bebendo dessas três fontes, Galton desenvolveu as idéias eugenistas, propondo a intervenção do Estado no sentido de controlar os casamentos, permitindo-os somente para as pessoas ditas, “mais capazes”.  Central nas ideais de Galton era a ênfase dada por ele aos casamentos de pessoas geneticamente superiores. Para ele existiam as pessoas de “sangue bom” e as de “sangue ruim”. Assim, elaborou segundo, Paulo Sérgio R. Pedrosa, “uma anormal matemática” (PEDROSA, 1999, p.3):

SANGUE BOM + SANGUE RUIM = SANGUE RUIM
SANGUE BOM + SANGUE BOM = SANGUE MELHOR
SANGUE RUIM + SANGUE RUIM = SANGUE PÉSSIMO
Ao defender um controle do Estado sobre o casamento, só permitindo aqueles realizados entre os indivíduos ditos superiores, Galton criou a Eugenia Positiva.
Eugenia nos Estados Unidos
Em terras norte americanas, as idéias de Galton ganham força no final do século XIX e originam a eugenia negativa: enquanto que a positiva defendia a reprodução somente de indivíduos que se destacassem por seus dotes físicos e intelectuais, ou seja, os de “sangue bom”, a negativa procurava defender a predominância dos ditos “superiores geneticamente”, por meio da eliminação dos “sangues ruins”.
Para cumprir tal objetivo, alguns procedimentos foram adotados. Paulo Sérgio Pedrosa (PEDROSA, 1999, p.4) destaca os seguintes atos eugenistas nos Estados Unidos:
- Segregação do incapaz;
- Deportação dos imigrantes indesejados;
- Castração de criminosos e deficientes mentais;
- Esterilização compulsória;
- Proibição de casamentos;
- Eutanásia passiva;
- Extermínio. (Não foi aplicada, mas muitos eugenistas defenderam o uso da câmara de gás).
Por meio das leis de miscigenação, a partir de 1863, procurou-se coibir os casamentos entre pessoas de etnias diferentes e a lei de Jim Crow, de 1876, obrigava os estabelecimentos e transportes públicos a terem locais separados para brancos e negros.
Em 1996, o estado de Indiana aprovou a lei de Sharp, também conhecida como “Ato de prevenção da Imbecilidade”, que visava impedir a reprodução de deficientes mentais, pelo método da esterilização.
Em 1909 em Washington, a lei também começa a prever a esterilização de criminosos e estupradores[2]. Em Iowa, os atos estendiam-se aos drogados e epiléticos. Paulo Sérgio Pedrosa (PEDROSA, 1999, p.7) informa que: “As leis de esterilização eugenistas foram adotadas por quase metade dos estados americanos, sendo a liberal Califórnia a que fez mais esterilizações forçadas”.
Eugenia na Alemanha
A Alemanha, nos primeiros vinte anos do século XX, desenvolveu suas próprias idéias eugenistas, tendo sua independente linha de estudos sobre o assunto. Contudo, tinham como base os atos eugenistas americanos, como a estilização dos “tipos biológicos inadequados” (PEDROSA, 1999)
Inspirado nas leis de castrações e proibição matrimoniais norte americanas, foi que o médico Gustav Boeters começou a escrever em Berlin, artigos que defendiam a implantação de atos eugenistas na Alemanha.  Boeters, em obra citada no artigo de Paulo Sérgio Pedrosa (PEDROSA, 1999), disse: “Em uma nação culta – os Estados Unidos da América -, aquilo pelo qual nos esforçamos para conseguir [a legislação sobre esterilização] foi introduzido e testado há muito tempo”
Foi o pensador socialista Alfred Ploetz quem, em 1880, cunhou a palavra Rassenhygiene (higiene racial) e Alfred Jost, teórico social alemão, defendia em seus trabalhos o direito do Estado de eliminar as pessoas inúteis.
Assim, as ideias eugenistas foram ganhando a Alemanha, conforme explica Paulo Sergio Pedrosa: (PEDROSA, 1999)
Logo começaram a surgir as associações de eugenistas na Alemanha e nos países nórdicos, fomentadas pelas idéias da superioridade nórdica defendida pelos eugenistas americanos, como Davenport, Grant e Popenoe. Em 1905 Ploetz fundou a Sociedade para a Higiene Racial em Berlim. Esta sociedade foi criada para incentivar o crescimento da Higiene Racial (outro nome para Eugenia) na Alemanha e começou a ganhar impulso e projeção internacional a partir de sua colaboração com outras sociedades eugenistas, principalmente as americanas. Ploetz foi nomeado vice-presidente do Primeiro Congresso Internacional de Eugenia de 1912, em Londres, e foi convidado para ser um dos fundadores do Comitê Internacional Permanente de Eugenia.
Quando Hitler ascendeu ao poder, a idéia da “superioridade racial” já estava amplamente amadurecida, e o esforço para resolver o problema da miscigenação desencadeou o processo do Holocausto, no qual foram perseguidos, aprisionados em campos de concentração e mortos, milhões de pessoas entre judeus, homossexuais, ciganos, slavos e deficientes.

Eugenia no Brasil
De acordo com Maria Aurélia Castaneda (CASTANEDA, 2002, p.1) uma característica do movimento eugênico brasileiro foi o seu “caráter sanitarista”, por considerar a influência do meio ambiente no desenvolvimento das raças. Renato Kehl, médico e farmacêutico, foi o grande divulgador dessa ideia do Brasil.
Ao participar de uma conferência em São Paulo, na Associação Cristã de Moços, Kehl conseguir despertar o entusiasmo necessário para a criação da primeira associação eugenista, em 1918, em plena República Velha. Faziam parte desta associação, Arnaldo Vieira, fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, Arthur Neiva, sanitarista, Franco da Rocha, psiquiatra e o educador Fernando de Azevedo, entre outros.
No Rio de Janeiro, Renato Kehl participa da fundação da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHN) em 1930, que tinha como membros pessoas como Miguel Couto, da Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, Carlos Chagas, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, e Edgar Roquette-Pinto, diretor do Museu Nacional. O objetivo da LBHN era estimular medidas para evitar a miscigenação e combater os fatores que dificultam a higiene da “raça superior”. Algumas das propostas desta instituição, como a esterilização dos “incapazes e inúteis” foram criticadas por muitos membros, como Roquette Pinto.
O surgimento do movimento eugênico no Brasil se dá em um momento em que o crescimento urbano trazia a necessidade de uma organização das cidades e de um melhoramento da raça por meio da limpeza e expurgação
Havia preocupação com as condições sanitárias das populações rurais. Ao publicarem em 1918 os relatos aos estados de Goiás, Bahia, Pernambuco e Piauí, Arthur Neiva e Belisário Penna revelaram a precariedade sanitária daquelas populações. Monteleone (1929), por suas vez, insistia diferentemente da Europa, no saneamento do povo e do solo, na medida em que numerosas moléstias  contribuíam para a degenerência  da raça
 (CASTANEDA, 2002, p.15)

Além deste caráter sanitarista do movimento eugenista brasileiro, acreditava-se também em outras medidas para evitar a degeneração da sociedade. Acreditava-se que a imigração era um risco para o país, pois poderia acarretar uma contaminação da população, isso motivou o desenvolvimento de projetos que visavam impedir a entrada no país de pessoas “eugenicamente inferiores”.  No artigo de Maria Eunice de S. Maciel (1999, p.9) é citada uma série de dez proposições do Congresso Brasileiro de Eugenia para impedir a contaminação da população brasileira, dentre eles estão:
10) O primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia aconselha a exclusão de todas as correntes imigratórias que não seja de raça branca.
As idéias eugenistas no Brasil foram perdendo força no final do Estado Novo sendo que foram definitivamente descartadas quando o país integrou o grupo dos aliados na Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1942.

Conclusão
Idéias de superioridade de um ser humano sobre o outro eram uma constante já na Antiguidade. Os Espartanos possuíam um sistema de seleção no qual somente tinha direito a vida os que nasciam fisicamente perfeitos.
Segundo Lilia Moritz Schawarcz (1993, p.46) quando os europeus chegaram à América, criou-se uma idéia de superioridades destes sobre os nativos da nova terra.
Tais idéias ganharam um suposto embasamento científico com o surgimento da eugenia em 1883, atingiu o seu ápice na “eugenia nazista’ e decaiu com o avanço das ciências biológicas.
Vivemos agora uma época de grandes descobertas, como o projeto Genoma, que levanta outras questões éticas e, vez por outra, surgem estudiosos como Richard Lynn, que declara a superioridade da inteligência do branco sobre o negro em uma abordagem que muito se assemelha a eugenia.


[1] Paradoxalmente, isso não significa que uma falta de alimentos não seja uma realidade no futuro, devido a inúmeros fatores.
[2] Acreditava-se na tendência para atos criminosos determinada pela genética.