quinta-feira, 20 de março de 2014

A Calamitosa Educação Brasileira

Lembro-me da primeira vez que fiquei em pé em frente a um grupo de alunos. Na época eu ministrava aulas de informática. Estava nervoso, as mãos tremiam e a voz vacilava. Mas ao voltar para casa naquela noite de sábado, a sensação foi indescritível. Hoje não me vejo capaz de fazer outra coisa além de ensinar.

Sempre fui atraído pela ideia de ser um transmissor de informações relevantes para as pessoas. Ajuda-las a trilhar o caminho, abrir as portas, mostrar possibilidades.

Uma das matérias que eu mais gostava de trabalhar com meus alunos nesta época era o Marketing Pessoal. Quando eu dissecava todos os mistérios concernentes ao primeiro emprego, podia observar em cada rosto o interesse e a expectativa pelo futuro.

Não posso dizer que tudo foi assim tão mágico em todas às vezes. Houve ocasiões que me vi frustrado com o desinteresse, cansado pelo descaso e desmotivado por tentar me comunicar com quem não queria ouvir.

Houve momentos onde nem mesmo ousava encarar os alunos enquanto lecionava. Temia que as expressões vazias e as posturas sorumbáticas me tolhessem a capacidade de lecionar. E isso, ainda dando aulas em cursinhos.

Não foram raras às vezes em que senti o peso do fracasso profissional sobre os ombros, perguntando-me o porquê de não conseguir dialogar de maneira satisfatória com meus alunos. O lado financeiro, para mim, nunca fora o mais importante. O que eu queria mesmo era tocar a alma daqueles jovens, fazê-los despertar. Isso raramente aconteceu.

O que eu fazia de errado? Meu estilo era formal demais para as jovens e ágeis mentes do século XXI, acostumadas desde a tenra infância a receber múltiplos estímulos? Seria eu herdeiro de uma pedagogia ultrapassada e de uma didática obsoleta? Se este era o caso, porque isso não acontecia em cem por cento das aulas?

Quando desisti do ramo da informática logo após concluir a licenciatura em História, levei essas questões na bagagem quando me mudei de Mauá, cidade do ABC paulista, para Juína, cidade que se localiza em plena floresta amazônica, fazendo parte do Estado do Mato Grosso.

De volta ao ponto de partida me vi nesta cidade, de frente para alunos da rede pública do EJA, tão nervoso como da primeira vez.

Lecionando geografia não demorou para que os mesmos problemas se manifestassem, alternando raros momentos em que conseguia prender a atenção dos alunos com noites dando aulas para as paredes.

Um episódio que ficará para sempre gravado em minhas sinapses: uma conversa na sala dos professores sobre um colega, professor recém-aposentado, cuja frase de despedida foi: “cansei de dar pérolas aos porcos”.

Frustrado, mergulhei em livros de pedagogia e didática, buscando técnicas que me ajudassem a romper essa barreira professor\aluno. Renovada as forças, ansiava pela oportunidade de por em prática o que havia aprendido em minhas pesquisas, o que aconteceu alguns dias mais tarde quando recebi um telefonema de uma escola pública, precisando de um professor de história para substituir a que saíra de licença médica.

Desta vez optei em variar a abordagem com aulas expositivas, filmes e slides em um esquema rotativo, na tentativa de manter o interesse dos alunos. Certa feita, uma aluna me disse ao término de uma aula:“agora sim, estou entendendo história”, o que me fez sentir como o único ganhador da mega-sena acumulada.

Houveram manifestações parecidas em outras turmas. Contudo, a maioria ainda continuava dispersa. Conclui que se você tem uma sala de, digamos trinta alunos, e você só consegue se comunicar com três, tem algo de muito errado no trabalho sendo desenvolvido. Sendo assim, o que estava errado?

Esta pergunta ocupou minha mente durante várias semanas. Até que, numa manhã de segunda-feira, tive uma epifania. Lembrei-me do relato proferido por uma colega, na sala dos professores da última escola em que lecionei.

Expôs ela, indignada, que ao corrigir um erro de português cometido por certa aluna durante um colóquio, obteve a seguinte resposta mal educada: “Você não é professora de português para me corrigir”.

Não sei o que aconteceu depois. Mas essa lembrança me deu uma pista para a elucidação do problema que me afligia. Problema que se encerra na própria cultura criada e desenvolvida na sociedade brasileira.
Educar se transformou em sinônimo de coagir. O educador é um inimigo opressor, que impede o aluno de fazer o que ele realmente deseja. Ensinar é nada mais do que demonstrar a superioridade do professor sobre o aluno, sendo este humilhado por sua ignorância.

Existe em nossa coletividade uma repulsa cultural pelo saber que se manifesta nas mais variadas formas: na TV, o estudioso é sempre o boboca da turma, alvo das gozações e do desprezo dos colegas de classe. A aula e a escola não recebem melhor tratamento nesta situação, onde a imagem do aluno rebelde é glorificada quando não idolatrada, em detrimento à rotina escolar.

Na literatura, na música, no cinema, entre outros, a educação é igualmente vexada. Criou-se a imagem de que o aluno é um ente passivo, não precisando assumir as rédeas de sua própria educação.

É possível que alguém sinta vontade de usar o velho chavão: “A arte imita a vida”. Todavia, acredito ser imensamente apropriado perguntar que tipo de arte e educação vem à tona no seio de uma sociedade doente. A resposta que me parece óbvia é a de uma arte e educação igualmente doentes.

Observo o trabalho da pedagogia e da didática, apresentando ao aluno uma nova proposta de educação na tentativa de extinguir o sentimento beligerante cultivado no país desde o início da década de 80 e que agora, principalmente nas grandes capitais, descortina um clímax com agressões morais e físicas ao professor.

E por falar em agressões, hoje mesmo no noticiário da TV assisti a reportagem sobre um motim de alunos em uma escola pública de Minas Gerais onde os “estudantes”, além de depredarem a escola, fizeram vários professores reféns trancando-os em uma sala.

Levando em consideração muitos outros casos semelhantes que se alastram pelo país, parece-me lógico acreditar no retumbante fracasso das teorias educativas.

“Eu não dou aula, dou show!”, diz com frequência um professor da faculdade onde meu irmão se formou em administração.

Na esperança de despertar o interesse dos alunos, observo a moda das “aulas shows” com professores utilizando recursos dos mais diversos: guitarras amplificadas, luzes, efeitos pirotécnicos, e demais expedientes dignos de um show da Lady Gaga.

Louvo o esforço de tais profissionais, mas as recentes pesquisas que colocam o estudante brasileiro como um dos piores do mundo, ainda me faz cético da eficácia de tais métodos.
O problema da educação brasileira é cultural.

Para o aluno brasileiro escola é um lugar para ficar sentado por três ou quatro horas, ouvindo uma pessoa, com a qual ela não tem a mínima empatia, falar. Sendo assim, para eles é perfeitamente justo se rebelar com as mais nefastas manifestações de rebeldia em sala de aula.

Precisamos de educadores renovados, capazes de formar advogados, políticos, artistas, entre outros. Uma classe capaz de realizar uma revolução cultural na sociedade. Uma revolução que semeará um caráter ativo do estudante brasileiro. Só assim será possível uma mudança no quadro calamitoso da educação.