quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

REZENHA CRITICA

Este trabalho tem como objetivo fornecer uma visão crítica ao livro “Sociologia I” de Marinete Covezzi. Doutora em sociologia, Covezzi é professora na Universidade Federal de Mato Grosso e autora de dez livros que abrangem desde reflexões sociológicas sobre a educação a trabalhos sobre a colonização oficial do Mato Grosso.
Na obra que nos propomos trabalhar, Covezzi define a ciência sociológica como “ciência que estuda as relações dos indivíduos com a sociedade [...]” (COVEZZI, 2008, p. 11). Sendo assim, a autora nos apresenta de início, a problemática com a qual se ocupam os sociólogos desde a inauguração desta ciência em meados do século XIX: o método, ou seja, qual o tipo de abordagem promove a criação de conhecimentos científicos sobre a sociedade.
Para este dilema a autora nos aponta os possíveis caminhos: os métodos emprestados das ciências naturais, ou aquele que parte das observações das simetrias existentes nas ações da sociedade. Covezzi ainda nos informa sobre as especificidades que surgem entre os autores, no qual podem ser encontrados métodos e conceitos diversificados.
No capítulo 1, “Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia”, a autora analisa de maneira precisa as mudanças sociais que se deram na Europa Ocidental, tais como o desenvolvimento das cidades, o início das grandes navegações, a expansão do comércio, o surgimento do sistema colonialista que serviu de base para a Revolução Industrial, gerando uma profunda mudança no modo de vida europeu, sobretudo na Inglaterra. Tais mudanças, segundo Covezzi, deram o impulso para o nascimento da Sociologia:
Esses acontecimentos e as transformações sociais despertaram a necessidade de debates e estudos sobre a sociedade. Participaram dos debates, pesadores de diversas correntes: conservadoras, liberais e socialistas. Os debates e estudos visam estabelecer orientações de ações para os problemas sociais. (Covezzi, 2008, p.20)


As transformações no campo das mentalidades também são lembradas pela autora como chaves para a compreensão do surgimento da sociologia. Assim, os papéis do Renascentismo e do Iluminismo são destacados como os grandes impulsionadores das ciências sociais.  
Nos capítulos que se seguem, Covezzi expõe o pensamento dos autores clássicos da sociologia alertando, muito apropriadamente, que tais autores trabalharam temas que até o dia de hoje, são objetos de estudo.
No capítulo 2, “Auguste Comte, A sociologia Positivista”, a autora esmiúça com requintes didáticos o pensamento do estudioso francês para quem o comportamento individual só poderia ser compreendido por meio de uma análise do contexto social envolvido. Para Comte, os métodos científicos das ciências naturais são ferramentas essenciais para a compreensão da evolução da humanidade:
A humanidade teria passado por um processo evolutivo que, saindo da fase mais simples, numa condição pouco superior à dos grandes macacos, foi gradualmente levada ao estágio presente da civilização europeia. E esse seria o caminho inexorável de todas as sociedades humanas mesmo as mais simples poderiam evoluir e alcançar o desenvolvimento das sociedades europeias[1]. (COVEZZI, 2008, p. 35-36).

Esta evolução das sociedades também estaria condicionada ao desenvolvimento do próprio pensamento humano. Covezzi (2008, p.38) expõe do pensamento de Comte, 3 estágios[2]: Teológico, Metafísico e Positivo. A sociedade evoluída é aquela que ultrapassou os estágios teológico e metafísico, culminando no estágio evoluído que seria o Positivo, o estado da razão orientada pelo método científico[3].
O capítulo 3, “Émile Durkheim, A Sociologia Funcionalista”, é dedicado ao trabalho desde estudioso, primeiro a definir um método de estudo sendo, por isso, apontado como o responsável por elevar a sociologia à categoria de ciência.
Covezzi, com clareza, expõe como Durkheim demarca os estudos criando o conceito do “reino social”, onde imperam as ideias, as crenças que dirigem e organizam a sociedade:
Para Durkheim, o reino social era um reino moral [...] ele compreende a questão moral como fundamental na orientação da vida social. A sociedade só existia porque os homens haviam criado regras morais para estabelecer a coesão social.  (COVEZZI, 2008, p. 50).

Se aprofundando na questão, a autora apresenta uma mais ampla divisão do reino social de Durkheim, vista por ele como campos do conhecimento sociológico a ser estudado separadamente, são eles a Morfologia Social, Fisiologia Social e a Sociologia Geral.
Os comentários da autora em relação à solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, um dos principais pontos do pensamento de Durkheim, são esclarecedores, uma vez que colocam em evidência as diferenças entre as sociedades simples e as mais complexas, bem como os fatos sociais que podem ser normais e patológicos. Covezzi explica que, segundo Durkheim, os fatos sociais são “maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo” (COVEZZI, 2008, p.53). Sendo assim um fato social normal é aquele que sendo recorrente, não impede a integração social. Em oposição, Durkheim nos apresenta os fatos patológicos com suas consequências que colocam em risco a ordem social.
No capítulo 4, “Karl Marx, A Sociologia Materialista”, Covezzi, elucida as teses marxistas que se apoiam na ideia do trabalho como o motor da sociedade. Covezzi explica, também, a distinção das teorias de Marx das dos positivistas. Assim, enquanto os positivistas acreditavam na primazia da sociedade sobre o individuo, Marx propunha que não havia tal primazia: ambos, indivíduo e sociedade se transformam por meio de influências mútuas.
Com seu estilo claro e didático, Covezzi elucida o procedimento utilizado por Marx em seus estudos sobre a sociedade. Para Marx a humanidade segue movida unicamente pela matéria[4], construindo assim uma visão materialista da história. Seguem-se explanações sobre a “luta de classes”, a “mais valia” e a “alienação”, a base para a compreensão das ideias marxistas.
O “materialismo dialético” fica fácil de entender com as explicações de Covezzi:
Para Marx, a compreensão dos processos históricos se encontra no modo como os homens se organizam para produzir os meios materiais, constituindo aí a sua concepção materialista da história. Já o seu método é considerado “materialista dialético”, por entender que a realidade é constituída por contradições, que por sua vez provocam movimentos sociais que podem transformar a realidade social. ( Covezzi, 2008, p.67)
 
Por meio de todas estas explanações fica evidente o porquê de Karl Marx ser considerado o percussor do socialismo científico, distinguindo-se dos autores utópicos que eram criticados nos trabalhos de Marx.

“Max Weber, A Sociologia Compreensiva” é o título do capítulo 5 onde Covezzi proporciona análise dos estudos de Max Weber, estudos estes que representaram uma nova proposta para a Sociologia em contraposição ao Positivismo.
Segundo Covezzi, as teorias weberianas se iniciam pelo individuo (2008, p. 83). É por meio da ação de indivíduos que se pode ter uma visão mais acertada dos fenômenos coletivos.
A autora explica que, segundo as suposições de Weber, os métodos da Sociologia deveriam ser distintos dos das ciências naturais, pois nestas últimas o estudioso pode analisar e observar um objeto que lhe é exterior.  Por estar inserido dentro do seu objeto de estudo, as análises e conclusões dos sociólogos não podem estar livres de serem influenciadas pelos conceitos herdados e desenvolvidos dentro do seu próprio objeto de estudo. O pesquisador é ao mesmo tempo, estudioso e objeto de estudo[5].
Levando estas verificações em consideração, Covezzi esclarece que para Weber a análise sociológica é feita por meio das observações que se fazem das ações sociais que, se repetindo ao longo do tempo, se reúnem ao dia-a-dia da sociedade.
Quanto às ações sociais, Covezzi reúne dos trabalhos de Weber, 5 tipos: as ações dirigidas pelas expectativas em relação a objetos e pessoas, ações que advém de crenças e valores, ações provindas de estados emocionais e as ações derivadas do costume. Partindo das observações individuais, segundo a autora, Weber estabelece a base no qual se apoia as instituições sociais: família, igreja, entre outros.
O derradeiro capítulo, “Pierre Bourdieu, A Sociologia da Ação Social” é dedicado ao sociólogo francês que propunha o distanciamento das concepções herdadas, pelo estudioso, da sociedade:
[...] a maior preocupação do sociólogo seria a de romper com o saber imediato, proporcionado pela familiaridade com o universo social do pesquisador, no sentido de evitar concepções provenientes da imaginação, se opondo a uma Sociologia considerada por ele como espontânea. (Covezzi, 2008, p.97).

Covezzi com estilo simples, explica como Bourdieu se dedicou ao estudo das estruturas dos espaços sociais: sistema de ensino, igreja, Estado, esporte a arte, a literatura, o lazer e a economia, na tentativa de elucidar a sua origem.
Bourdieu, critico da ideia da coercividade, valorizava as ações individuais bem como a consciência dos indivíduos. Por isso utilizou, da filosofia escolástica, o conceito de habitus, que inserido em cada indivíduo manifesta a coletividade na individualidade.
Covezzi explica que o habitus, é responsável pela continuidade da vida de uma pessoa e por sua convivência no meio social (2008, p. 103). Outra característica do habitus é o seu caráter unificador:
[...] Os indivíduos que vivem próximos em termos de condições sociais de existência e de trajetória de vida compartilham do mesmo habitus. Bourdieu considera que nesse caso são habitus de um grupo social ou classe social. (Covezzi, 2008, p.103).
Covezzi explica a influencia de Karl Marx sobre o trabalho de Bourdieu, que se expressa por meio do conceito da violência simbólica. Como possuidores da força econômica, a classe dominante transmite os seus valores para a classe dominada, passando a impressão de que sua condição de dominados é algo natural, relacionado a habilidades individuais e não às diferenças de oportunidades.
Desta forma, Bourdieu dá a sua contribuição para o conceito marxista da “luta de classes”, explicando a forma como as classes dominantes fazem a manutenção de seu domínio[6].

Bibliografia
COVEZZI, Marinete. Sociologia I: introdução à sociologia. Cuiabá: EdUFMT, 2008.




[1] Para Auguste Comte, o suprassumo da evolução humana seria a sociedade industrial europeia.
[2] Faz parte do pensamento comtiano, também, o estágio do conhecimento Mitológico.
[3] Hoje, sabe-se que tanto o pensamento mitológico, quanto o teológico e metafísico, ainda são importantes para a formação do conhecimento humano, uma vez que se constatou que o método científico não pode contemplar todos os aspectos da vida.
[4]  Atualmente a visão materialista tem sido questionada quando se passou a observar a complexidade das motivações humanas. O materialismo parece não mais responder de forma apropriada está complexidade.
[5] Seria, pois, a Sociologia também uma tarefa de autoanálise?
[6] Promover a inimizade entre trabalhadores e “donos dos meios de produção”, segundo as palavras do próprio Marx, é o pilar para a revolução e a subsequente ditadura do proletariado. Verdade é que, experiências socialistas na União Soviética e em outros países do mundo, provam que a sociedade igualitária é impossível. Sobra, então, a ricos e pobres, o dever de cooperarem pra minimizar as mazelas da sociedade.