Este
trabalho tem como objetivo fornecer uma visão crítica ao livro “Sociologia I”
de Marinete Covezzi. Doutora em sociologia, Covezzi é professora na
Universidade Federal de Mato Grosso e autora de dez livros que abrangem desde
reflexões sociológicas sobre a educação a trabalhos sobre a colonização oficial
do Mato Grosso.
Na
obra que nos propomos trabalhar, Covezzi define a ciência sociológica como “ciência que estuda as relações dos
indivíduos com a sociedade [...]” (COVEZZI, 2008, p. 11). Sendo assim, a
autora nos apresenta de início, a problemática com a qual se ocupam os
sociólogos desde a inauguração desta ciência em meados do século XIX: o método,
ou seja, qual o tipo de abordagem promove a criação de conhecimentos
científicos sobre a sociedade.
Para
este dilema a autora nos aponta os possíveis caminhos: os métodos emprestados
das ciências naturais, ou aquele que parte das observações das simetrias existentes
nas ações da sociedade. Covezzi ainda nos informa sobre as especificidades que
surgem entre os autores, no qual podem ser encontrados métodos e conceitos
diversificados.
No
capítulo 1, “Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia”, a autora analisa
de maneira precisa as mudanças sociais que se deram na Europa Ocidental, tais
como o desenvolvimento das cidades, o início das grandes navegações, a expansão
do comércio, o surgimento do sistema colonialista que serviu de base para a
Revolução Industrial, gerando uma profunda mudança no modo de vida europeu,
sobretudo na Inglaterra. Tais mudanças, segundo Covezzi, deram o impulso para o
nascimento da Sociologia:
Esses
acontecimentos e as transformações sociais despertaram a necessidade de debates
e estudos sobre a sociedade. Participaram dos debates, pesadores de diversas
correntes: conservadoras, liberais e socialistas. Os debates e estudos visam
estabelecer orientações de ações para os problemas sociais. (Covezzi, 2008,
p.20)
As
transformações no campo das mentalidades também são lembradas pela autora como
chaves para a compreensão do surgimento da sociologia. Assim, os papéis do
Renascentismo e do Iluminismo são destacados como os grandes impulsionadores
das ciências sociais.
Nos
capítulos que se seguem, Covezzi expõe o pensamento dos autores clássicos da
sociologia alertando, muito apropriadamente, que tais autores trabalharam temas
que até o dia de hoje, são objetos de estudo.
No
capítulo 2, “Auguste Comte, A sociologia Positivista”, a autora esmiúça com
requintes didáticos o pensamento do estudioso francês para quem o comportamento
individual só poderia ser compreendido por meio de uma análise do contexto
social envolvido. Para Comte, os métodos científicos das ciências naturais são
ferramentas essenciais para a compreensão da evolução da humanidade:
A
humanidade teria passado por um processo evolutivo que, saindo da fase mais
simples, numa condição pouco superior à dos grandes macacos, foi gradualmente
levada ao estágio presente da civilização europeia. E esse seria o caminho
inexorável de todas as sociedades humanas mesmo as mais simples poderiam
evoluir e alcançar o desenvolvimento das sociedades europeias[1]. (COVEZZI, 2008, p.
35-36).
Esta
evolução das sociedades também estaria condicionada ao desenvolvimento do
próprio pensamento humano. Covezzi (2008, p.38) expõe do pensamento de Comte, 3
estágios[2]: Teológico, Metafísico e
Positivo. A sociedade evoluída é aquela que ultrapassou os estágios teológico e
metafísico, culminando no estágio evoluído que seria o Positivo, o estado da
razão orientada pelo método científico[3].
O
capítulo 3, “Émile Durkheim, A Sociologia Funcionalista”, é dedicado ao
trabalho desde estudioso, primeiro a definir um método de estudo sendo, por
isso, apontado como o responsável por elevar a sociologia à categoria de
ciência.
Covezzi,
com clareza, expõe como Durkheim demarca os estudos criando o conceito do
“reino social”, onde imperam as ideias, as crenças que dirigem e organizam a
sociedade:
Para
Durkheim, o reino social era um reino moral [...] ele compreende a questão
moral como fundamental na orientação da vida social. A sociedade só existia
porque os homens haviam criado regras morais para estabelecer a coesão social. (COVEZZI, 2008, p. 50).
Se
aprofundando na questão, a autora apresenta uma mais ampla divisão do reino
social de Durkheim, vista por ele como campos do conhecimento sociológico a ser
estudado separadamente, são eles a Morfologia Social, Fisiologia Social e a
Sociologia Geral.
Os
comentários da autora em relação à solidariedade mecânica e solidariedade
orgânica, um dos principais pontos do pensamento de Durkheim, são esclarecedores,
uma vez que colocam em evidência as diferenças entre as sociedades simples e as
mais complexas, bem como os fatos sociais que podem ser normais e patológicos.
Covezzi explica que, segundo Durkheim, os fatos sociais são “maneiras de agir,
pensar e sentir exteriores ao indivíduo” (COVEZZI, 2008, p.53). Sendo assim um
fato social normal é aquele que sendo recorrente, não impede a integração
social. Em oposição, Durkheim nos apresenta os fatos patológicos com suas
consequências que colocam em risco a ordem social.
No
capítulo 4, “Karl Marx, A Sociologia Materialista”, Covezzi, elucida as teses
marxistas que se apoiam na ideia do trabalho como o motor da sociedade. Covezzi
explica, também, a distinção das teorias de Marx das dos positivistas. Assim,
enquanto os positivistas acreditavam na primazia da sociedade sobre o
individuo, Marx propunha que não havia tal primazia: ambos, indivíduo e
sociedade se transformam por meio de influências mútuas.
Com
seu estilo claro e didático, Covezzi elucida o procedimento utilizado por Marx
em seus estudos sobre a sociedade. Para Marx a humanidade segue movida
unicamente pela matéria[4], construindo assim uma
visão materialista da história. Seguem-se explanações sobre a “luta de
classes”, a “mais valia” e a “alienação”, a base para a compreensão das ideias
marxistas.
O
“materialismo dialético” fica fácil de entender com as explicações de Covezzi:
Para
Marx, a compreensão dos processos históricos se encontra no modo como os homens
se organizam para produzir os meios materiais, constituindo aí a sua concepção
materialista da história. Já o seu método é considerado “materialista dialético”,
por entender que a realidade é constituída por contradições, que por sua vez
provocam movimentos sociais que podem transformar a realidade social. (
Covezzi, 2008, p.67)
Por
meio de todas estas explanações fica evidente o porquê de Karl Marx ser
considerado o percussor do socialismo científico, distinguindo-se dos autores
utópicos que eram criticados nos trabalhos de Marx.
“Max
Weber, A Sociologia Compreensiva” é o título do capítulo 5 onde Covezzi proporciona
análise dos estudos de Max Weber, estudos estes que representaram uma nova
proposta para a Sociologia em contraposição ao Positivismo.
Segundo
Covezzi, as teorias weberianas se iniciam pelo individuo (2008, p. 83). É por
meio da ação de indivíduos que se pode ter uma visão mais acertada dos
fenômenos coletivos.
A
autora explica que, segundo as suposições de Weber, os métodos da Sociologia
deveriam ser distintos dos das ciências naturais, pois nestas últimas o
estudioso pode analisar e observar um objeto que lhe é exterior. Por estar inserido dentro do seu objeto de
estudo, as análises e conclusões dos sociólogos não podem estar livres de serem
influenciadas pelos conceitos herdados e desenvolvidos dentro do seu próprio
objeto de estudo. O pesquisador é ao mesmo tempo, estudioso e objeto de estudo[5].
Levando
estas verificações em consideração, Covezzi esclarece que para Weber a análise
sociológica é feita por meio das observações que se fazem das ações sociais que,
se repetindo ao longo do tempo, se reúnem ao dia-a-dia da sociedade.
Quanto
às ações sociais, Covezzi reúne dos trabalhos de Weber, 5 tipos: as ações
dirigidas pelas expectativas em relação a objetos e pessoas, ações que advém de
crenças e valores, ações provindas de estados emocionais e as ações derivadas
do costume. Partindo das observações individuais, segundo a autora, Weber
estabelece a base no qual se apoia as instituições sociais: família, igreja,
entre outros.
O
derradeiro capítulo, “Pierre Bourdieu, A Sociologia da Ação Social” é dedicado
ao sociólogo francês que propunha o distanciamento das concepções herdadas,
pelo estudioso, da sociedade:
[...] a
maior preocupação do sociólogo seria a de romper com o saber imediato,
proporcionado pela familiaridade com o universo social do pesquisador, no
sentido de evitar concepções provenientes da imaginação, se opondo a uma
Sociologia considerada por ele como espontânea. (Covezzi, 2008, p.97).
Covezzi
com estilo simples, explica como Bourdieu se dedicou ao estudo das estruturas
dos espaços sociais: sistema de ensino, igreja, Estado, esporte a arte, a
literatura, o lazer e a economia, na tentativa de elucidar a sua origem.
Bourdieu,
critico da ideia da coercividade, valorizava as ações individuais bem como a
consciência dos indivíduos. Por isso utilizou, da filosofia escolástica, o
conceito de habitus, que inserido em
cada indivíduo manifesta a coletividade na individualidade.
Covezzi
explica que o habitus, é responsável
pela continuidade da vida de uma pessoa e por sua convivência no meio social
(2008, p. 103). Outra característica do
habitus é o seu caráter unificador:
[...]
Os indivíduos que vivem próximos em termos de condições sociais de existência e
de trajetória de vida compartilham do mesmo habitus. Bourdieu considera que
nesse caso são habitus de um grupo social ou classe social. (Covezzi, 2008,
p.103).
Covezzi
explica a influencia de Karl Marx sobre o trabalho de Bourdieu, que se expressa
por meio do conceito da violência simbólica. Como possuidores da força
econômica, a classe dominante transmite os seus valores para a classe dominada,
passando a impressão de que sua condição de dominados é algo natural,
relacionado a habilidades individuais e não às diferenças de oportunidades.
Desta
forma, Bourdieu dá a sua contribuição para o conceito marxista da “luta de
classes”, explicando a forma como as classes dominantes fazem a manutenção de
seu domínio[6].
Bibliografia
COVEZZI,
Marinete. Sociologia I: introdução à
sociologia. Cuiabá: EdUFMT, 2008.
[1]
Para Auguste Comte, o suprassumo da evolução humana seria a sociedade
industrial europeia.
[2]
Faz parte do pensamento comtiano, também, o estágio do conhecimento Mitológico.
[3]
Hoje, sabe-se que tanto o pensamento mitológico, quanto o teológico e
metafísico, ainda são importantes para a formação do conhecimento humano, uma
vez que se constatou que o método científico não pode contemplar todos os
aspectos da vida.
[4] Atualmente a visão materialista tem sido questionada
quando se passou a observar a complexidade das motivações humanas. O
materialismo parece não mais responder de forma apropriada está complexidade.
[5]
Seria, pois, a Sociologia também uma tarefa de autoanálise?
[6]
Promover a inimizade entre trabalhadores e “donos dos meios de produção”,
segundo as palavras do próprio Marx, é o pilar para a revolução e a subsequente
ditadura do proletariado. Verdade é que, experiências socialistas na União
Soviética e em outros países do mundo, provam que a sociedade igualitária é
impossível. Sobra, então, a ricos e pobres, o dever de cooperarem pra minimizar
as mazelas da sociedade.