segunda-feira, 19 de novembro de 2018

REFORMA PROTESTANTE: BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS PARA A EDUCAÇÃO NA REVOLUÇÃO DE LUTERO


Resumo


Antes mesmo de Teodósio I, imperador de Roma, instituir o cristianismo religião oficial do Império Romano em 380 por meio do Édito de Tessalônica, não eram desconhecidas comunidades de cristãos que não se identificavam com a religião organizada. Eram cátaros, valdenses, albigenses e anabatistas que no decorrer da história, por não partilharem das mesmas crenças da religião institucionalizada pelo Estado, receberam o título de hereges. A palavra “heresia”, deriva do latim “haeresis”, que, por sua vez se origina do grego “haíresis” que significa “Capacidade de escolher”. A Reforma Protestante do século XVI, também considerada na época um movimento herege, não se compara em termos de influência aos primeiros dissidentes. Seu alcance foi muito maior, abarcando além da religião, a economia, a filosofia, a política e a educação. Este trabalho terá como foco as influências da Reforma na Educação que foram introduzidas por Martinho Lutero, um dos seus principais personagens. Ao ser excomungado em 1521, através da bula papal Decet romanum pontificem, Lutero liderou um movimento de reforma do cristianismo, no qual a Educação possuía uma importância central, visto o destaque que a leitura e interpretação da Bíblia possuía para os reformistas. Mostraremos, ainda, como tais modificações nas práticas educativas promovidas por Lutero trouxeram à existência uma cultura alemã. Por fim, identificaremos os elementos educacionais luteranos que ainda hoje persistem na educação moderna.   
Palavras chaves: Reforma Protestante, Martinho Lutero, Educação, Cristianismo.












ABSTRACT
Even before Theodosius I, emperor of Rome, instituted the Christianity official religion of the Roman Empire in 380 by the Edict of Thessalonica, were not unknown community of Christians who did not identify with organized religion. They were Cathars, Waldensians, Albigenses, and Anabaptists who, in the course of history, for not sharing the same beliefs of religion institutionalized by the State, were given the title of heretics. The word "heresy" derives from the Latin "haeresis", which in turn originates from the Greek "haíresis" which means "Ability to choose". The Protestant Reformation of the sixteenth century, also considered at the time a heretical movement, does not compare in terms of influence to the first dissidents. Its scope was far greater, encompassing religion, economics, philosophy, politics, and education. This work will focus on the influences of the Reform in Education that were introduced by Martin Luther, one of its main characters. When he was excommunicated in 1521, through the papal bull Decet romanum pontificem, Luther led a movement of reform of Christianity, in which Education had a central importance, given the prominence that the reading and interpretation of the Bible had for reformers. We will also show how such changes in the educational practices promoted by Luther brought to the existence a German culture. Finally, we will identify the Lutheran educational elements that still persist in modern education today.
Keywords: Protestant Reformation, Martin Luther, Education, Christianity.








Introdução


As profundas mudanças de ordem social, econômica, política e religiosa que ocorreram na Europa do século XVI e que se convencionou chamar de Reforma Protestante, foi a culminância de diversos acontecimentos históricos (MATOS, 2016).
O Sistema Feudal que predominou na Europa desde o século V, sofreria enormes modificações a partir do século XIV:  aumento da população que impossibilitava o trabalho agrícola forçando a saída dos camponeses que se mudavam para as cidades, guerras, pestes, chuvas torrenciais que prejudicavam as colheitas, rebeliões camponesas como as jaquerries na França que empobreciam cada vez mais os nobres.
Em contrapartida, uma vez desfrutando das comodidades da vida nos burgos,[1] ex-camponeses convertidos em sapateiros, ferreiros, alfaiates, carpinteiros, feirantes e banqueiros, acumulavam poder econômico transformando-se numa nova classe social.
Os burgueses possuíam poder econômico, mas lhes faltavam o político, o que dificultava suas atividades. Os nobres tinham terras desvalorizadas e poder político, necessitavam, porém, do dinheiro burguês para sobreviver.
Do mutualismo nobre-burguês surgiu uma das mais fascinantes criações humanas: as nações.
Cidades que floresciam, costumes que se modificavam, o estilo de vida burguês logo tomou conta da Europa. Novas prioridades, um novo foco. O Renascimento deslocara a atenção dos homens, de Deus para os próprios homens. Já os humanistas acreditavam na evolução do ser humano por meio da razão[2], do conhecimento. Fundaram universidades onde as pessoas podiam mergulhar no mundo da filosofia, da matemática e diversos outros assuntos.
Mas ao próspero burguês, contudo, faltava ainda algo: o apoio ideológico.
Para a maior representante do cristianismo daquele tempo, Igreja Católica, o lucro, os juros a acumulação de bens, era usura[3], o que estava totalmente na contramão dos desejos daqueles bem-sucedidos comerciantes.  Aos nobres, incomodava um clero que interferia na política enquanto acumulava cada vez mais poder. Por fim, os abusos e desvios cometidos por alguns representantes da igreja estimulavam as críticas dos que exigiam uma renovação de ordem religiosa. Um dos primeiros a realizar tais críticas foi o teólogo inglês John Wycliff (KNIGHT, ANGLIN, 1983). John Huss foi outro reformador antes da Reforma, que por suas críticas à corrupção e ao luxo dos clérigos foi martirizado em 1415.
Quando o alemão Martinho Lutero afixou suas 95 teses na igreja do Castelo de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1515 dando início a Reforma Protestante, os burgueses que ansiavam por amparo ideológico não deixaram de perceber a oportunidade que ali nascia. Oportunidade que criou raízes não muito tempo depois, por meio do desenvolvimento da moral econômica calvinista.

Para Lutero a reforma da religião estava estritamente ligada à reforma da educação:

Lutero reformou a religião e participou do início da organização da educação moderna pública. As duas preocupações de Lutero, celebrar a missa no idioma do cristão e a possibilidade dele ler a bíblia, acabaram, no mínimo por democratizar o ensino que ao longo de toda a Antiguidade e Idade Média, sempre esteve restrito a pequenos grupos representantes de classes sociais mais privilegiadas pela sociedade.  (VARELA, 2014, pg.238)

Tal preocupação resultou numa verdadeira revolução na Educação, ajudando a moldar o que conhecemos como cultua alemã nos dias atuais. Além disso, certos elementos contidos nas propostas educativas de Martinho Lutero se fazem presentes em épocas contemporâneas e em várias partes do mundo inclusive no Brasil.
Nas próximas linhas tentaremos compreender a profundidade de tais modificações introduzidas por Lutero e suas influencias que se fazem sentir no mundo atual.



  

Capítulo 1: Martinho Lutero

 

Nascido em Eisleben, Saxônia, no ano de 1483. Quando completou a idade adequada ingressou na Universidade de Erfurt (FEBVRE, 2012). Por influência de um ancião agostiniano passou a rever suas crenças a respeito da salvação e da remissão dos pecados.
Em 1508 transfere-se para a universidade de um certo Staupitius, a pedido do próprio, onde continua a dedicar-se aos estudos teológicos dentre outras atividades. Tinha, então, vinte e seis anos de idade. Três anos mais tarde recebe o título de doutor.
Em 1516 com o intuito de financiar as cruzadas, o Papa Leão X inicia a distribuição de perdão, arrecadando riquezas. Inúmeros encarregados pela coleta se espalham pela Europa, oferecendo a libertação de almas do purgatório por 10 xelins. Tetzel, frade dominicano, é o mais impetuoso dos coletores. Seus sermões considerados blasfemos[4] ascendem a indignação de Martinho Lutero, que em represália escreve 95 críticas à Igreja, afixando-as no dia seguinte à porta do templo adjacente ao castelo de Wittenberg. Era o dia 31 de outubro de 1517.
Intimado a dar explicações de sua conduta, foi a Roma. Após várias audiências com autoridades da Igreja, por sua obstinação e recusa em se retratar foi excomungado da Igreja Católica junto com seus seguidores, doravante chamados luteranos, por meio da bula Decet romanum pontificem de 1521. Perseguido e obrigado a viver as escondidas somente não foi preso e executado devido a proteção do nobre Duque Frederico.
Protegido, trabalhava na tradução da Bíblia para o alemão, obra marcante para a nação e para a literatura alemã (CARPEAUX, 1963) bem como em diversos outros livros onde defendia ideias como o fim da pobreza e mendicância voluntária dos sacerdotes, que os casos de heresia deveriam ser julgados por meio de provas nas Escrituras e que as crianças deveriam ser alfabetizadas por meio do Evangelho.
Em 1546, estando escondido e protegido por alguns príncipes da Saxônia, Lutero já estava escrevendo e fazendo sermões há vinte e nove anos, tendo falecido neste mesmo ano em Eisleben.
Para o historiador Otto Maria Carpeaux (1963), Lutero foi a personalidade mais influente da literatura alemã, maior ainda que Goethe. Foi um patriota alemão, embora não tenha sido um nacionalista já que o conceito de nacionalismo ainda não existia nas mentes medievais. Foi o primeiro homem moderno cujo o espírito foi formado com a leitura da Bíblia e de Santo Tomás de Aquino. Foi também um dos grandes gênios religiosos da humanidade, que não deixou de transparecer os aspectos mais humanos:

Não foi um anjo da luz. Foi, como se disse na Alemanha do seu tempo, um Grobianus, homem grosseiro, lançando palavrões incríveis com a mesma paixão que dedicava à boa música e com que combateu cruelmente os pobres camponeses revoltados. Foi um grande alemão, quase santo e quase demoníaco.  (CARPEAOUX, 1963, pg. 20)


Em várias de suas obras demonstrou além do domínio perfeito do alemão, uma extraordinária capacidade jornalística. Também foi o maior tradutor de todos os tempos: em seus trabalhos de tradução do Antigo e do Novo Testamento, criou expressões e locuções bastante utilizadas no alemão moderno.
As ideias de Lutero sobre educação podem ser encontradas em diversos de seus livros (BARBOSA, 2011), cuja análise revela a existência tanto a organização do sistema de ensino, como a discussão de princípios específicos para a educação.
Além disso foi o primeiro a romper com a tradição e sugerir uma educação de responsabilidade do Estado ao invés da Igreja. Como veremos nas próximas linhas, essa abordagem desencadeará consequências positivas bem como negativas.
Antes, porém, com o objetivo de construir uma imagem mais clara das transformações promovidas por Lutero na Educação, será útil uma abordagem sobre a educação na Idade Média.



A Educação na Idade Média


O período de mil anos conhecido como Idade Média, se inicia com a queda de Roma no século V e termina no século XV com a queda do Império Romano do Oriente. (SCHNEIDER, 2007)
No imenso território outrora ocupado pelo Império Romano, depois ocupado por povos visigodos, ostrogodos, burgúndios, lombardos e francos, somente uma instituição romana resistiu, graças principalmente a habilidade dos clérigos de fazer acordos e alianças com os líderes invasores. O fato mais expressivo neste sentido, foi a conversão e o batismo do rei franco Clóvis em 508 d.C. Tal aliança alicerçou a influência da Igreja Católica na Europa que passou a ter grande domínio na sociedade, inclusive na educação.
A Educação medieval se caracteriza pelo controle da Igreja e pelo predomino das temáticas religiosas. O objetivo da prática educativa neste período é a defesa da fé cristã e a conversão dos não-cristãos. Todo o esforço era no sentido de unir a fé com a razão e a sua prática era limitada às igrejas e aos monastérios.
A Educação do período medieval pode ser dividido em duas tendências (SCHNEIDER, 2007): a Educação patrística que consistia na exposição racional da fé religiosa a Escolástica que pretendia explicar o cristianismo por meio da especulação filosófica.
 Desenvolvida pelos padres da Igreja, a educação patrística remonta ao período que antecede a queda do Império Romano e se preocupa principalmente com as relações existentes entre a fé a ciência. Por meio da filosofia platônica, visava desenvolver uma ética moral rigorosa e o controle racional das paixões. Seus principais representantes são Orígenes, Clemente de Alexandria e Tertuliano. Merece ainda, especial destaque os trabalhos de Agostinho de Hipona.

 A escolástica é fruto direto do Renascimento Carolíngio[5] (SCHNEIDER, 2007), uma vez que Carlos Magno fundou as escolas monacais numa tentativa de renovar a cultura de seu reino. Ainda era uma educação restrita aos monastérios e as igrejas, destinada a uma única parcela da população.
Era característica da educação escolástica a especulação filosófica-religiosa. Tomás de Aquino, o maior expoente deste tipo de educação, acreditava na existência de crenças que podiam ser provadas pela razão e também em crenças cuja falsidade ou não, não podiam ser provadas. Para Aquino não havia contradição entre a razão e a palavra revelada, sendo que quanto mais racional fosse a pessoa, mais cristã ela seria.
Ao longo do século XVI a educação escolástica começa a se tornar mais restrita, sofrendo um processo de dogmatização. O princípio da autoridade se torna o valor dominante e qualquer conceito que não estivesse de acordo à regra do magister dixit.[6]
Quando Martinho Lutero com suas 95 teses desencadeou o processo que chamamos de Reforma Protestante, esta era a configuração no campo da Educação.
Para os reformadores não bastava a mudança espiritual dos fiéis, pois buscavam também uma “base cultural sólida” (VALENTIN, 2010), que pressupunha uma mudança no sistema educacional medieval.
A seguir veremos as propostas de Lutero para a reformulação da educação.

  

Capítulo 2: Lutero e a Educação


Para além da reforma religiosa, as maiores preocupações de Lutero foram a possibilidade de os alemães lerem a Bíblia e assistir as missas, que eram ministradas em latim, no seu próprio idioma. Assim começaram os trabalhos para organizar a educação pública. (VARELA, 2014)
A maior característica desta nova prática educativa é a democratização, uma vez que a educação perpetrada na Idade Média era limitada aos mosteiros, monastérios e igrejas, bem como destinadas à pequenos grupos sociais mais distintos.
Outra grande característica do ensino proposto por Lutero é a ideia de que o Estado, e não a Igreja, fosse a responsável pelo oferecimento da Educação ao povo, lançando as bases do que depois se tornou o conceito do laicismo dois séculos antes da Revolução Francesa.
Em diversas oportunidades Lutero se posicionou a favor da educação enquanto um direito de todos:
 [...] na Carta aos conselheiros comunais de todas as cidades da Alemanha (1524); no Sermão sobre a necessidade de mandar os filhos à escola (1530), além de outros escritos de caráter religioso como o Grande e pequeno catecismo (1529).  (VARELA, 2014, pg. 239)

Ainda sobre os princípios educacionais de Lutero, o dever das autoridades municipais de criar e manter instituições de ensino parte do princípio de que a aprendizagem estritamente ligada a religião, iniciaria com a alfabetização/letramento por meio da Bíblia.
A base da educação proposta por Lutero eram as línguas: grego e hebraico, para possibilitar a compreensão adequada das Escrituras, e o alemão. A literatura cristã e pagã também era estudada, além das artes (música, pintura, escultura) e medicina.
Varela (2014) ainda destaca as considerações de Lutero a respeito dos professores, que deveriam possuir o perfeito equilíbrio entre severidade e amor.
Não deve ser olvidado os colaboradores de Lutero, dentre os quais, é lícito citar Valentin Trotzerdorf, criador do princípio da autonomia escolar.
Johannes Bugenhagen, além de ser considerado o fundador da escola secundária, é também criador da escola primária (VARELA, 2014)
Tendo suplantado a barreira da Alemanha, a Reforma Protestante atingiu mentes e formas distintas. Na França, na Suíça, na Bélgica e partes da Inglaterra houve influência de João Calvino. Na Inglaterra de Henrique VIII, o mesmo anglicanismo que reformou a religião criou inúmeros colégios para o ensino dos burgueses e cavaleiros pobres.
Democratização e liberdade foram as maiores conquistas da Reforma Protestante para a Educação. Todavia é necessário observar que o movimento de Lutero também criou precedentes não tão positivos, conforme mostraremos a seguir.

Aspectos negativos da Reforma Protestante


Se existe uma palavra que pode resumir a reforma proposta por Lutero esta palavra é “liberdade”. (JUSVIACK, WESTPHAL, 2016), pois sendo a natureza do ser humano pecaminosa, não há nada que ele possa fazer para alcançar a salvação. A salvação, pois, é uma graça exclusiva concedida por Deus mediante o sacrifício de Jesus Cristo. Não faz o menor sentido a Igreja se posicionar como mediadora entre o ser humano e Deus, visto que nada do que ela pode fazer é efetivo em termos de salvação. Seguindo este raciocínio Lutero conclui que a única função da Igreja é orientar os fiéis por meio das Escrituras, pois só nelas é que se pode encontrar a Verdade, podendo neste ponto abarcarmos a importância da educação para melhor compreendê-la. Sendo a Igreja apenas aquela que mostra o caminho, o cristão tem a possibilidade de exercer o livre arbítrio para alcançar o favor imerecido de Deus.



Se o cristão, pois, é livre em suas decisões espirituais, quanto mais nas temporais, como pontua  Jusviack e Westphal (2016, pg. 102) :

Lutero também rejeitava a pretensão do clero de exercer jurisdição sobre os assuntos temporais. O entendimento era de que a Igreja não possui nenhuma jurisdição, seja espiritual ou temporal. Sendo ambos os reinos regidos por Cristo, no reino espiritual cabe aos papas e bispos apenas ensinar a palavra d’Ele, ao passo que no reino terreno cabe às autoridades seculares governar os assuntos temporais, inclusive com poderes coercitivos.


Para Lutero era mister que o bom cristão fosse obediente à autoridade secular conforme orientado nas Escrituras[7]. Por conseguinte, às autoridades seculares são atribuídos papéis preponderantes:
A autoridade secular é instituída para ser uma tranca contra as forças do mal e deve ter a função de promover o bem para que a vida seja garantida, como a família, a economia, a educação, a política, ou seja, o estado secular, que não é determinado pelo âmbito religioso, tem a função de garantir o convívio social em todos os seus aspectos (JUSVIACK, WESTPHAL, 2016, pg.96)

Na Reforma Protestante, está, pois, a origem da separação entre Igreja e Estado.
Propagando-se pela Europa, o desenvolvimento de tais ideias criou reflexos na educação, agora submetida ao Estado ao invés da Igreja. Estado, que cada vez mais opressivo encontrou na educação uma eficiente máquina de propagação de ideias cujo objetivo máximo era manter o status quo.
Pode-se afirmar diante do que foi exposto, que na revolução de Lutero era central o papel da educação, e primordial a tarefa das escolas. Veremos, agora, quais elementos desta educação vigoram nos dias atuais.  



O legado da Reforma para a educação dos dias atuais


Na prática educativa da atualidade é possível identificar alguns elementos oriundos da Reforma Protestante: a noção da educação como responsabilidade do Estado, da escola pública enquanto uma instituição laica e de uma escola que ensina o dia-a-dia e não apenas abstrações intelectuais (Ramiro, 2012)
Lutero também acreditava, no tocante à educação infantil, que os conceitos poderiam ser melhor assimilados se a criança aprendesse brincando. “Aprender brincando” é algo amplamente praticado na pedagogia atual.
Em um de seus escritos, Lutero revela que considerava as escolas medievais verdadeiros purgatórios, onde os alunos eram “torturados” por meio de conjugações e declinações. Propunha, pois, que as línguas fossem ensinadas por meio de brincadeiras. Atualmente, o uso de jogos e brincadeiras faz parte da metodologia no ensino de línguas.
As mudanças introduzidas por Lutero atingem até mesmo a estrutura organizacional da educação:
Lutero não somente atinge a Igreja Católica com suas críticas, mas influencia a educação quando produz uma reestruturação no sistema de ensino alemão, inaugurando uma escola moderna. A ideia da escola pública e para todos, organizada em três grandes ciclos (fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil nasce do projeto educacional de Lutero. (FERRARI, 2005, p. 30-32)

Nota-se, que quinhentos anos depois da Reforma, a educação moderna ainda carrega sua influência nos genes.








Conclusão


A Reforma Protestante ocorrida na Europa do século XVI desencadeou mudanças estruturais profundas não apenas na religião, mas também na sociedade, na política, na economia e na educação.
Para atingir a mudança proposta pelos reformadores o campo educacional era essencial, tendo em vista a necessidade de o cristão ler e entender a Bíblia corretamente. Diante deste fato Martinho Lutero, o principal agente da reforma na Alemanha, propõe uma série de mudanças que rompem com a pratica educativa que foi característica durante toda a Idade Média.
Foram notórias as contribuições de Martinho Lutero para a educação: para além da religião, o reformador alemão é considerado o criador de toda uma cultura que começa com o desenvolvimento de um idioma e culmina em uma tradição literária alemã. Basicamente, o idioma falado da Alemanha de hoje é o alemão de Lutero. As mudanças introduzidas por Lutero na educação de sua época trouxeram à tona a democratização do ensino, a escola laica e o aprimoramento no ensino de idiomas, com metodologias cujos resquícios ainda podem ser observados nas escolas modernas. É dos seguidores de Lutero o conceito de educação infantil e de liberdade escolar.
Por outro lado, essas alterações tornaram possível o fortalecimento do Estado que aumentando o seu controle sobre a população deu origem aos primeiros focos de tirania, transformando a escola numa ferramenta de manutenção do poder estatal.
Sobre as características pessoais do reformador, a historiografia de que dispomos nos fornece um painel que vai de alto a baixo dependendo das convicções do pesquisador: para uns Lutero foi um degenerado, um traidor, o estereótipo do anticristo senão o próprio. Para outros foi um santo, um homem repleto de virtudes divinas.
Virtus in medium est.  O historiador Otto Maria Carpeaux, mostrou quem era Lutero neste mar de opiniões tão divergentes: um ser humano notável, que fez coisas terríveis e também maravilhosas, como somente seres humanos são capazes de fazer.
A pesquisa sobre os efeitos da Reforma Protestante sobre a educação é necessária, na medida em que promove uma reflexão sobre o papel da educação na sociedade, o papel do Estado e os valores que a escola deve transmitir para os alunos. Ademais, cabe aqui, também, propor uma reflexão sobre a participação da família neste processo, visto que ela, a família, é a base de todas as transformações que ocorrem na sociedade.

BIBLIOGRAFIA


BARBOSA, Luciane Muniz Ribeiro. Estado e Educação em Martinho Lutero: A origem do direito à Educação.  São Paulo: USP, 2011
CARPEOUX, Otto Maria. A história concisa da literatura alemã. São Paulo: Faro Editorial, 1963
FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012
FERRARI, M. Erasmo de Roterdã, o pedagogo humanista. Nova Escola, São Paulo, n. 184, ago. 2005, disponível no site: http%3A%2F%2Frevistaescola.abril.com.br%2Fedicoes%2F0184%2Faberto%2Fmt_84862.shtml>, acessado no dia: 08/12/2017
JUSVIACK, Patrícia, WESTPHAL, Euler Renato. O Estado Moderno e a Reforma Protestante a partir da Interpretação de Quentin Skinner.  Santa Catarina: Revista Teológica Internacional, 2016
KNIGHT, A. E, ANGLIN, W. História do cristianismo. Rio de Janeiro: CPAD, 1983.
MATOS, Alderi Souza de. A Reforma Protestante Do Século XVI. Campinas: SPC, 2016
RAMIRO, Marcelo. A Reforma Protestante e sua contribuição para a educação moderna. São Paulo: UMSP, 2012, disponível no site: http://portal.metodista.br/fateo/noticias/a-reforma-protestante-e-sua-contribuicao-para-a-educacao-moderna, acessado no dia 07/12/17
SCHNEIDER, Cátia Regina de Oliveira. A Educação na Idade Média. Santa Catarina: UNIASSELVI, 2007
VARELA, Simone. Contribuições de Martinho à Educação. Aracaju: Interfaces científicas, 2014




[1] Durante a Idade Média o burgo era o lugar mais seguro para se viver, fora das muralhas dos feudos. Normalmente, o burgo era protegido por guarnições militares.
[2] Criou-se a ideia errônea de que a razão só ganhou importância a partir do humanismo, quando, na verdade, a razão já era considera algo de extrema importância desde a época da escolástica.
[3] Durante a Idade Média o pecado da usura era cometido por aqueles que enriqueciam por meio dos juros exorbitantes.
[4] Em suas pregações, Tetzel costumava dizer que a eficácia das indulgências poderia conceder perdão até mesmo a quem procurasse violar a própria mãe de Cristo.
[5] Série de medidas adotadas por Carlos Magno (742-814) no intuito de reformar a vida cultural do povo franco.
[6] Em latim, “O Mestre disse”. Neste caso a racionalidade é abandonada, pois a opinião e a autoridade do mestre sobre o assunto não pode ser questionada.
[7] Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas.
Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.

Romanos 13:1,2