Jesus
Histórico: analisando as fontes
RESUMO
O cristianismo é a
maior religião do mundo em número de adeptos. Seus ensinamentos baseiam-se na
figura de Jesus de Nazaré, um judeu do primeiro século. Por ser uma religião
histórica, torna-se importante para seus seguidores que os relatos sobre a vida
e obra de seu inspirador sejam historicamente exatos. Este trabalho tem como
objetivo analisar as principais fontes históricas sobre a vida de Jesus: os Evangelhos
e os documentos não cristãos escritos nos primeiros séculos do cristianismo. Pretendemos
demostrar que esses documentos são capazes de fornecer informações históricas
relativas ao inspirador do cristianismo. Ao final deste trabalho, esperamos ter contribuído
para uma maior compreensão dos acontecimentos que se desenrolaram em torno
deste personagem, fonte de inspiração de 2,2 bilhões de seguidores espalhados
pelo globo.
Palavra chave: Jesus Cristo; religião; evangelhos.
ABSTRACT
Christianity is the largest religion in the world in number of
adherents. His teachings are based on the figure of Jesus of Nazareth, a Jew of
the first century. Because it is a historical religion, it becomes important to
his followers that reports on the life and work of his inspiring are
historically accurate. This study aims to analyze the main historical sources
on the life of Jesus: the Gospels and Christian documents not written in the
first centuries of Christianity. We intend to show that these documents are
able to provide historical information on the motivational Christianity. At the
end of this work, we hope to have contributed to a greater understanding of the
events that unfolded around this character, inspiration 2.2 billion followers
around the globe.
Keyword: Jesus Christ, religion, gospels.
Introdução
Paul Copan, PhD em Filosofia e professor
de Filosofia e Ética, na introdução do livro “O Jesus dos Evangelhos: mito ou
realidade” (2012, p.11) tece um competente resumo sobre o debate em torno do
Jesus histórico.
Retrocedendo até os fundamentos do
debate historiográfico sobre Jesus, Copan aponta o trabalho de David Friederich
Strauss (1808-1874), renomado teólogo e exegeta alemão, primeiro a fazer
separação entre o “Jesus histórico” e o “Jesus da fé”.
Paul Copan explica como Strauss defendia
o caráter mítico da visão tradicional sobre Jesus, visão que essa que, apesar
de sua importância, não deveria ser encarado como eventos existentes no espaço-
tempo.[1]
Copan continua sua exposição, elucidando
as ideias de Martin Kahler(1835-1912). Para este teólogo alemão, a discussão
sobe o Jesus histórico não apenas era inútil, como também afastava do aspecto
mais importante do cristianismo, que era a fé. Para Kahler, seria impossível
uma abordagem histórica sobre a vida de Jesus, pois não existiriam fontes capazes
de fornecer informações segundo as exigências da ciência histórica (COPAN, 2012,
p.13).
Segundo Copan (2012, p.14), Rudolf
Bultmann (1884-1976), outro proeminente teólogo alemão, a mensagem central do
cristianismo estava soterrada pelo misticismo e pela superstição. Os Evangelhos
eram expressões obsoletas de um período pré-cientíco e nada podiam acrescentar
ao debate histórico. Debate que, aliás, não era necessário para a fé.
Desta maneira, esses três renomados
estudiosos concordavam na insofismável separação entre a crença e a realidade
histórica.
Ernst Kasemann (1906-1998) é apontado
como o inaugurador de uma nova fase nos estudos históricos sobre Jesus (COPAN,
2012, p.16). Para ele, sem uma base sólida na qual se apoiar dada pela
comprovação histórica, o cristianismo perderia todo o seu sentido prático.
Defendia, pois, que os evangelhos possuíam sim, um valor histórico, por
verificar que seu conteúdo condizia com o que se sabia sobre o primeiro século
da Palestina.
Portanto, Kasserman estabelece o que
ficou conhecido como New Quest.
Segundo Gabrieli Cornelli (2006, p.19), esta nova busca trabalhava com o Jesus
da fé e com o Jesus histórico simultaneamente, partindo do pressuposto de que o
primeiro seria uma continuação do segundo.
Característica da
terceira busca, é aquela que procura despir a pesquisa de todo o conteúdo
teológico (CORNELLI, 2006, p.20). Encabeçado por John Dominic Crossan, Bart D. Ehrman
e no Brasil, Pedro Paulo Funari e André Leonardo Chevitarese, essa separação
entre as crenças e a pesquisa histórica, representa um retorno às conclusões de
Strauss, o “Jesus da fé” surgiria muito tempo depois do “Jesus histórico”,
sendo o primeiro uma deturpação do segundo: [...]“são duas coisas distintas.
Jesus era judeu e nunca falou em fundar igreja ou religião. As igrejas foram
fundadas séculos depois de Cristo.” (FUNARI, 2012).
Ao acompanhar o que é
publicado sobre o tema nos veículos especializados, não raro ficamos com a
impressão de que esta última corrente de estudiosos representa o suprassumo das
pesquisas sobre o Jesus Histórico. A mesma impressão se repete, ao
acompanharmos o que é publicado nas revistas especializadas e veiculado nos
programas de TV.
Poucos são os que
conhecem o trabalho de Willian Lane Craig, doutor em Filosofia pela
Universidade de Birmingham, Inglaterra e doutor em teologia pela Universidade
de Munique, onde se dedicou à pesquisa sobre a historicidade da ressureição de Jesus.
É autor de diversos livros[2]e artigos[3]
sobre o Jesus Histórico e participou de diversos debates, inclusive com Bart Ehrman
e John Dominic Crossan sobre o Jesus Histórico. (COPAN, 2012 p.26).Em seu
trabalho, o doutor Craig defende um Jesus Histórico que pouco difere do Jesus
da fé e, para acastelar suas conclusões,se apoia nas análises e conclusões de
vários estudiosos no novo Testamento como Craig Blomberg e Norman Geisler,
reconhecidos internacionalmente por seus trabalhos com este tema.
Trabalhos como os de
Craig raramente chegam ao conhecimento do grande público brasileiro[4],
embora tenham certa projeção nas universidades no exterior, principalmente nos
países que possuem maior tradição na pesquisa sobre o Jesus Histórico, como a
Inglaterra.
Neste trabalho,
apoiados no trabalho desta última corrente de estudos, analisaremos a principal
fonte sobre a vida de Jesus que são os Evangelhos, pois sendo eles a principal
fonte de informação sobre Jesus, torna-se importante saber se esses documentos são
capazes de fornecer dados precisos o suficiente para lançar uma luz histórica
sobre e vida de Jesus de Nazaré.
Também trabalharemos
com as chamadas “fontes externas”.
Como “fontes externas”,
queremos nos referir ao conjunto de documentos que não fazem parte dos
Evangelhos, escritos por autores da antiguidade, muitos deles sem vínculos com
o cristianismo.
O estudo dessas
fontes é importante para a análise dos evangelhos, pois serão capazes de
reforçar ou diminuir sua credibilidade.
Fontes
externas têm o poder de fortalecer ou enfraquecer o valor histórico de um
documento estudado. A procura de fontes alternativas faz parte do método de
trabalho histórico, como aponta a Professora. Dr.ª. Ana Elizabeth Santos Alves
e a Professora. Especialista Lígia Maria Portela da Silva (2004, p.4) “[...]cabe
ao pesquisador ter o cuidado de cruzar as informações obtidas com outras fontes
documentais que possam transmitir dados acerca do objeto de estudo e escolher
uma metodologia adequada para analisá-los”.
Assim,
para lançar uma luz histórica sobre os relatos evangélicos, analisaremos os
seguintes documentos: o Testemunho Flaviano; a Carta de Plínio, o Jovem; o
capítulo XV da obra “Anais”; o Talmude.
Também faremos uso da obra “Jesus de
Nazaré: uma outra história”, organizado por André Chevitarese dentre outras
obras que serão citadas durante o trabalho.
Ao final, esperamos conseguir demonstrar
que a visão ortodoxa de Jesus pode ser defendida por meio dos métodos
históricos.
Capitulo
1: Os Evangelhos
Começaremos nossa análise
pelos Evangelhos que, segundo Paulo Ramos (2009, p.10): “[...] (gr. evagellon) significa “boas novas” ou
“boas notícias”. Usa-se a palavra evangelho para designar qualquer composição
sobre a mensagem e obra de uma personagem de nome Jesus”.
Foram poucos os autores que,
na Antiguidade, se dedicaram em registrar a história de Jesus. E nem poderia
ser de outra forma: a figura de Jesus só se tornou importante com o
desenvolvimento da igreja cristã fora dos limites palestinos, especialmente em
Roma (KURTS, 2008, p.4).
Os Evangelhos foram escritos
tendo como base uma sólida tradição oral sobre a vida de Cristo (SANTOS, 2010,
p.9).
Dentre os documentos
dedicados à vida de Jesus Cristo, quatro são considerados canônicos
(originais), sendo eles os livros de Mateus, Marcos, Lucas e João. Existem
também os “apócrifos”, considerados não canônicos, que segundo Paulo Ramos, são:
Evangelho de Tomé
(50-140 EC) – uma colecção de dizeres que Jesus inicia com a sugestiva proposta
“quem souber interpretar estes dizeres jamais provará a morte”; grande parte
dos versículos começam com “Jesus disse...”; muitos dos dizeres encontram-se
nos evangelhos do Novo Testamento; Evangelho Segundo Maria Madalena
(120-180 EC) – neste evangelho, Maria Madalena é a favorita entre os discípulos
de Jesus; - Evangelho de Filipe (180-250 EC) – numa passagem descreve que Jesus
beijava frequentemente Maria Madalena;Evangelho de Judas (130-170 EC) – a sua
recente recuperação a partir de milhares de fragmentos mostra uma doutrina em
que Judas é retratado de uma forma favorável. - Evangelho da Infância Segundo
Tomé (140-170 EC) – descreve as traquinices de Jesus na sua infância durante a
qual utilizava os seus poderes com irresponsabilidade. (RAMOS, 2009, 10 e 11).
Muitos dos apócrifos são
profundamente influenciados pelo gnosticismo[5] e,
estando em desacordo com os escritos mais antigos sobre Jesus, foram rejeitados
ainda nos primórdios da Igreja Cristã. (GEISLER, 1997,p.114)
Diferentemente do que
informa Paulo Ramos em seu trabalho (RAMOS, 2006, p.11) não foi a Igreja
Católica que autorizou a entrada dos evangelhos canônicos ao Novo Testamento.
De fato, eles já eram utilizados pela Igreja Cristã Primitiva[6],
já no século I (GEISLER, 1997, p.158). Portanto, o que a Igreja Católica fez,
na verdade, foi apenas ratificar o que já era prática na Igreja Cristã, desde o
primeiro século.
Um entrave na aceitação dos
evangelhos como fonte histórica confiável sobre a vida de Jesus, no meio cético,
é o fato de se poder encontrar neles, relatos de acontecimentos sobrenaturais. Ernest Renan (2003, p.21) comenta: “rejeitamos
o sobrenatural pela mesma razão que rejeitamos a existência de centauros e hipogrifos:
é que nunca o vimos”. Contudo, somos da opinião de que a história rejeita o
sobrenatural, simplesmente por não ser este o objeto de seu estudo, estando por
isso incapacitada tanto para afirma-la, quanto para negá-la[7].
Estando, pois, os milagres
de Jesus longe do alcance dos métodos históricos, não podem constituir empecilho
para o estudo de outros elementos relacionados à vida de Cristo.
Paulo Ramos ainda aborda a
questão dos evangelhos sinóticos[8]:
Por outro lado, encontramos nos textos
de Mateus, Marcos e Lucas frases muito semelhantes
interpoladas com material realmente original (que só encontramos num dos
textos). Isso significa que vários autores basearam o seu relato no de outrem,
apenas acrescentando, subtraindo ou modificando detalhes. Ou seja, os vários
relatos não seriam independentes, mas sim baseados num único original. (RAMOS,
2006, p.13)
Este “único original”
referido pelo autor seria o documento “Q”, uma hipotética coleção de citações
das palavras de Jesus que teria sido a fonte usada pelo autor do primeiro
evangelho para compor seu livro. Luigi Schiavo, (2006, p.194) informa que ao
documento “Q”, atribui-se a data de composição entre 40 a 55 D.C.
Sendo uma coleção de
citações usada pelo primeiro autor evangelista, é fácil supor que os demais conteúdos
dos evangelhos sinóticos que não fazem parte do Q, assumem um caráter
independente de autor para autor (SANTOS, 2010, p.16).
Outra objeção comum quando se fala nos
Evangelhos como fontes históricas é o argumento de que ele sofreu, durante séculos,
várias modificações em seu conteúdo devido a vários motivos e vários
interesses:
Não tínhamos
os escritos originais do Novo Testamento. Tínhamos cópias desses escritos,
feitos anos mais tarde – em muitos
casos, muitos e muitos anos mais tarde. Além do mais, nenhuma das cópias era
completamente exata, visto que os copistas que as produziram
introduziram mudanças em algumas passagens, inadvertida e/ou intencionalmente. (EHRMAN, 2008, p.15)
Bart Ehrman é considerado um
dos maiores especialistas em Novo Testamento na atualidade. Contudo, outros
renomados estudiosos chegaram a conclusões divergentes dele.
É o caso de Norman Geisler,
ThM em teologia e PhD em filosofia, para quem os Evangelhos chegaram até nós
com apenas 1% de modificação em seus textos originais, sendo que nenhuma das
variações detectadas oferecem alguma dificuldade para os principais
ensinamentos do cristianismo (GEISLER, 1997,p.189), conclusão que sobrevém
depois da análise e de comparação dos inúmeros manuscritos latinos e gregos que
sobreviveram aos séculos.
Ainda segundo os estudos[9] de
Geisler (1997, p.183-184), o Novo Testamento é o documento antigo que possui o
maior número de cópias manuscritas, seguida logo depois pela Ilíada. Em 15.000
linhas da Ilíada, 764 são passíveis de dúvidas, contra as 40 linhas do
evangelho que possui 20.000 linhas ao todo. Assim, os evangelhos sofreram 1% de
corrupção contra 5% da Ilíada. O poema épico nacional da Índia, o Mahãbhârata
com suas 250.000 linhas, possui cerca de 26.000 linhas de corrupção textual,
portanto, pouco mais de 10%.
Assim, quando comparado com outros
documentos antigos, o Novo Testamento é o que possui o maior número de
manuscritos e a menor diferença textual entre eles, o que o faz alcançar a
marca de 99% de pureza em seu conteúdo original. Nem mesmo o Alcorão[10]
que pertence ao século VII DC, sendo, portanto, um livro mais recente,
apresenta um nível de pureza tão elevado.
Reunindo todos os elementos apresentados
referentes aos evangelhos, podemos concluir que: são baseados em uma sólida
tradição oral sobre Jesus; são melhores fontes de informação do que os
evangelhos apócrifos, por serem mais antigos e também porque os apócrifos sofreram
influência do gnosticismo do século II; é o documento antigo que sobreviveu em
maior número de manuscritos e que apresenta o maior grau de pureza, o que
significa que seu texto chegou até nós, 99% igual à forma em que foi
originalmente composto.
Contudo, sabemos que somente esses dados
não são suficientes para considerar os Evangelhos historicamente precisos. É
necessário que existam outras fontes, de preferência sem vínculos com o
cristianismo, para que possamos comparar e a partir desta comparação, tentar
chegar a uma conclusão, o que pretendemos fazer nos próximos capítulos.
O testemunho Flaviano
Historiador que viveu no primeiro século
depois de Cristo, Flavio Josefo era um judeu que recebera cidadania romana. Tem
entre suas obras mais importantes, o livro Antiguidades Judaicas, escrito por
volta do ano 94 D.C. Nesta obra, Josefo discorre sobre a história do mundo
através da ótica judaica e é também nesta obra que se encontra o controverso
Testemunho Flaviano. Tal controvérsia reside do fato de não ser unânime entre
os estudiosos a autenticidade do trecho, onde o autor fornece valiosas
informações sobre Jesus e os primórdios do cristianismo.
Eis
a passagem:
Por
esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, se na verdade podemos chamá-lo de
homem. Pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que
recebem a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos
judeus, como dentre muitos de origem grega. Ele era [o] Cristo [Messias], E
quando Pilatos, por causa de uma acusação feita pelos nossos homens mais
proeminentes, condenou-o a cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram
de fazê-lo. Pois ele lhes apareceu no terceiro dia, novamente vivo exatamente
como os profetas divinos haviam falado deste e de incontáveis outros fatos
assombrosos sobre ele. E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a
ele, não desapareceu" (JOSEFO, 1974, p. 205-206).
Paulo Ramos faz as seguintes objeções quanto à autenticidade do texto:
Segundo os evangelhos, Jesus era
famoso e muito popular na Galileia; por outro lado, Josefo viveu na Galileia
num tempo muito próximo da época em que supostamente Jesus teria lá vivido, mas
“escreveu” apenas umas poucas linhas acerca de Jesus; para contrastar descreveu
demoradamente Judas da Galileia (ou o Gaulanita), um homem que promoveu uma
rebelião em 6 EC (Guerras II. 8.1; 17.8 e Antiguidades XVIII. 1.1-6); - o
“Testimonium Flavianum” menciona Jesus em termos bastante elogiosos,
reconhecendo que ele era o Cristo; no entanto, não há nada que indique que
Josefo se tenha tornado cristão ou, de alguma forma, seguidor de Jesus; - se Josefo considerasse que este Jesus, alegadamente
executado por Pilatos, era o Cristo e tinha ressuscitado, certamente teria
investigado mais eteria feito uma descrição mais detalhada sobre Jesus; - “... e a tribo dos cristãos não se extinguiu até hoje” –
quanto tempo é que já tinha durado essa “tribo” na perspectiva de Josefo? - esta passagem foi referida por Eusébio, um dos fundadores
da Igreja Católica, no seu livro História da Igreja (século IV), mas
outro apologista cristão do século III, Orígenes, que também fez uso da
literatura de Josefo nunca cita esta passagem.(RAMOS, 2009, p.17)
No nosso entender, não devemos nos surpreender se Jesus passou quase
que despercebido por Josefo, pois já foi aqui mencionado o fato de que a figura
de Jesus só ganhou maior evidência quando o cristianismo se tornou a religião
oficial do Império Romano. Antes disso, poucos judeus estavam interessados na
figura do fundador de um movimento “dissidente e minoritário, perseguido pelo
implacável aparelho estatal do Império Romano” (PILLAGALO, 2010, p.7).
Segundo Maria Antônia Costa Pereira, mestre em história e cultura
clássica:
Tem sido eterna a discussão na comunidade
científica sobre a sua autenticidade, seja ela total ou parcial. Após décadas
em que as posições se extremaram, em acesos debates, hoje em dia tende-se para
uma postura mais sensata: a de aceitar o testimonium como uma edição cristã de
um parágrafo original de Josefo. (PEREIRA, 2004,
p.192)
Portanto, Paulo Ramos está certo quando observa que o texto em análise
provavelmente “tenha surgido por corrupção de uma passagem existente de modo
a dar algum suporte à existência de um Jesus Cristo histórico”.
São temas de
discussão, os seguintes trechos:
“...
se na verdade podemos chamá-lo de homem (...)”: Pelo fato de Flávio Josefo ter sido um judeu
pertencente aos grupos dos fariseus, é pouco provável que ele atribuísse a
Jesus uma característica sobre-humana.
“Ele era [o] Cristo
(...)”: Dificilmente Flávio Josefo, um homem profundamente ligado com suas
raízes judaicas, reconheceria a figura do Messias em Jesus, e não existem evidências
de que ele, Josefo, tenha se convertido ao cristianismo.
“Pois ele lhes apareceu no
terceiro dia, novamente vivo exatamente como os profetas divinos haviam falado
deste e de incontáveis outros fatos assombrosos sobre ele. (...)”: A
ressurreição de Jesus jamais seria admitida por um judeu convicto, por isso
esse trecho é muito provavelmente uma interpolação[11].
Assim, se retirarmos os trechos identificados como interpostos do texto
original, iremos obter o seguinte resultado:
Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio. Pois
ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a
verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos judeus, como
dentre muitos de origem grega. E quando Pilatos, por causa de uma acusação
feita pelos nossos homens mais proeminentes, condenou-o a cruz, aqueles que o
haviam amado antes não deixaram de fazê-lo. E até hoje a tribo dos cristãos,
que deve esse nome a ele, não desapareceu.
Podemos perceber como o texto mantém-se coeso mesmo depois de
retirarmos as frases interpostas, configurando assim, um importante registro
históricoextra bíblico, que corrobora dois dos fatos mais importantes dos
Evangelhos: a condenação de Jesus por Pôncio Pilatos e a morte de Jesus em
suplício na cruz.
Peter Kirby, (KIRBY, 2001) citou a análise de Louis Feldmann[12],
que examinou a literatura disponível sobre o Testemunho Flaviano, no período
que se estende de 1937 até 1980, num total de 52 estudiosos analisados. Quatro
o consideraram totalmente autêntico, seis o consideraram basicamente autêntico,
vinte o consideraram autêntico em partes, com algumas interpolações, nove o
consideraram autêntico em parte, com várias interpolações e treze o
consideraram totalmente falso.
Como se pôde observar é consenso entre a maioria dos estudiosos
analisados que o Testemunho Flaviano é autêntico em partes, com algumas
interpolações, o que o torna um importante documento de corroboração ao
conteúdo dos Evangelhos, pois com ele, sabemos que Jesus foi um homem
considerado sábio, realizou coisas tidas como surpreendentes, tinha seguidores,
foi condenado à morte, crucificado, e seus seguidores continuavam falando em
seu nome, ficando conhecido mais tarde como cristãos.
Quanto ao fato de o testemunho Flaviano não ter sido citado em obras
anteriores ao século IV, chegamos à conclusão de que realmente Orígenes e
outros pais da igreja do século II e III não citam essa passagem em seus
trabalhos.
Contudo, achamos precipitada a conclusão de Ramos, fundamentados no
trabalho de Gerd Theissen (2003,p.88) onde consta a hipótese de que talvez,
Orígenes possuísse uma cópia diferente do texto de Josefo, não possuindo as
interpolações. Baseados nisso, podemos levantar a hipótese de que Orígenes,
sendo um profundo conhecedor da obra de Josefo, soubesse que o testimonium
flavianum não fosse confiável, achando prudente não utiliza-lo como fonte
de seus trabalhos. Somente com os avanços das técnicas filológicas é que se
pôde constatar, então, que este texto de Flávio Josefo não era de todo falso.
Assim, em nossa visão, não existe uma questão realmente séria capaz de
refutar a autenticidade deste documento e podemos, ademais, encerrar este
capítulo reforçando o que foi exposto sobre este importante documento, usando,
mais uma vez o trabalho de Gerd Theissen:
Numerosos
pesquisadores supõem que o conteúdo original de Ant (Antiguidades Judaicas)
18,63s, seja uma narrativa sobre a tentativa de revolta do líder
político-religioso Jesus, que as autoridades judaicas eliminaram pela raiz ao
entregar o desordeiro.(THEISSEN, 2003, p.90).
Eis aqui exposta, uma definição mais acertada referente ao conteúdo do testemunho flaviano, despido de toda a bagagem cristológica dos Evangelhos, porém, que reforça o aspecto histórico desses escritos constituindo assim, em uma fonte externa de suma importância no estudo do Jesus histórico.
Capítulo 2: Anais
Ao chegar a
Roma, em um primeiro momento o cristianismo fora bem aceito, assim como aconteceu
com o judaísmo. Contudo, em meados de 64 DC, tanto os soldados quanto a
população em geral, começaram a perceber que o cristianismo era
substancialmente diferente do judaísmo, pois os judeus não aceitavam os
ensinamentos cristãos. A insistente postura dos cristãos em não prestarem
juramento a outros deuses nos tribunais causou estranheza a uma sociedade em
que o politeísmo estava arraigado à cultura do cidadão romano. Aos poucos o
cristianismo foi sendo colocado na ilegalidade, uma vez que não era prática de
seus adeptos, aceitarem os deuses romanos.
Foi em 19 de
junho de 64 que durante sete dias, uma região de trabalhadores de Roma foi consumida
pelas chamas. Num total de 14 quarteirões, 10 foram totalmente destruídos no
incêndio que também ceifou muitas vidas. O boato que se espalhou na época, foi
a de que o imperador Nero havia sido o responsável pelo incêndio.
O fato é que
toda a região afetada foi reconstruída a custo de muito dinheiro público e Nero
acabou se apoderando de uma grande extensão da área onde, mais tarde, mandou
erigir os Palácios Dourados. Ao final, Nero acabou sendo beneficiado pelo
incêndio, mas o mesmo não pode ser dito em relação aos cristãos:
O incêndio pode ter sido a maneira rápida de
renovar a paisagem urbana. Objetivando desviar a culpa que recaia sobre si, o
imperador criou um conveniente bode expiatório: os cristãos. Eles tinham dado
início ao incêndio, acusou o imperador. Como resultado, Nero jurou perseguir e
matar os cristãos (CURTIS, 2008, pp. 11 e 12)
Uma das citações mais importantes sobre Jesus, fora dos Evangelhos, é
sem dúvida a que foi feita pelo historiador Tácito (55-120 D.C.), em sua obra “Anais”,
no qual relata a vida dos quatro imperadores que sucederam a César Augusto e também
no qual podemos encontrar registros sobre os mesmos fatos acima descritos. Esta
obra, que data entre os anos de 115 e 120 D.C.,é uma das cinco produções deste historiador
que além da obra, “Anais” também escreveu: “Vida de Agrícola”, “Germânia”, “Diálogo
dos Oradores” e “História”. (BELCHIOR, 2011)
Públio Cornélio Tácito é considerado um dos maiores historiadores da
antiguidade e deixou registradas as seguintes palavras sobre Jesus:
Portanto,
para acabar com os rumores, [Nero]
acusou falsamente as pessoas comumente chamadas de cristãs, que eram odiadas
por suas atrocidades, e as puniu com as mais terríveis torturas. Christus, o
que deu origem ao nome cristão, foi condenado à morte por Pôncio Pilatos,
durante o reinado de Tibério; mas, reprimida por algum tempo, a superstição
perniciosa irrompeu novamente, não apenas em toda a Judéia, onde o problema
teve início, mas também por toda a cidade de Roma. (TACITO, 2004, p. 325)
Neste trecho da obra, Tácito conta como o Imperador romano Nero (37-68
D.C), acusou os cristãos pelo incêndio que devastou Roma, no ano de 64. Esta
passagem é de extrema importância na análise da historicidade da vida de Jesus,
pois demonstra como o cristianismo se difundiu na Judéia e em Roma, apesar dos
esforços para conter a “superstição perniciosa”, segundo a definição do próprio
Tácito. É curioso observar um movimento violentamente combatido conseguir cada
vez mais e mais adeptos, mesmo se tratando de uma crença centrada em um homem
que foi morto da forma mais vexatória[13]
que existia na época.
Paulo Ramos faz um levantamento de quatro objeções
contra a autenticidade desta passagem:
Tácito
escreveu cerca de oitenta anos depois da suposta crucificação de Jesus; nesta
época já os cristãos (e os não cristãos) possuíam as narrativas evangélicas. Este
autor não menciona um homem com um nome próprio Jesus, mas um homem que era
conhecido pelo título de Cristo; e no primeiro século havia muitos a reclamar o
título de Cristo (Messias). Refere-se a Pilatos como procurador e não como
prefeito (para um historiador romano seria uma grande diferença) um procurador
respondia diretamente perante o Senado ou ao Imperador, enquanto um prefeito
respondia a um procurador. A passagem não é citada por nenhum dos grandes
apologistas cristãos dos primeiros séculos, incluindo Eusébio (século IV).(RAMOS,
2009, p.52).
A primeira
objeção nos pareceu estranha, uma vez que contesta a historicidade de Tácito
com base nos anos que separam os fatos da época em que foram registradas,
principalmente quando pensamos em obras como a Anábase de Alexandre Magno,
escrito por Arriano de Nicomédia no século II, tendo Alexandre Magno morrido em
323 A.C e mesmo assim, os historiadores consideram a obra bastante confiável
(LEMES, 2008, p.15). Com isso, chega a ser mesmo risível, querer suspeitar de
um documento baseado apenas nos 80[14]
anos de diferença entre os fatos e a data em que os mesmos foram redigidos.
Quanto à
segunda objeção, acreditamos que a forma como foi formulada empobrece a questão,
pois a polêmica verdadeira reside na palavra “Chrestus” utilizado por Tácito,
que tem um significado diferente de “Cristo”. Vejamos o que A. J. Woodman,
especialista na obra de Tácito nos informa em uma nota retirada de sua tradução
dos Anales.
"Chrestiani" é a forma como o nome
aparece pela primeiravez no manuscrito M, mas que o escriba mudou para
"Christiani", sem dúvida influenciado pelo que o manuscrito T. diz na
sentença posterior. No entanto, a coexistência entre "Chrestiani" e
"Christus" não é impossível: o manuscrito T poderia estar se
referindoao o nome comum para a seita, evidentemente atribuído aos cristãos,
efeito uma confusão com a palavra grega chre-stos ("Bom", "honrável”)
[...] (WOODMAN, 2004, p. 25).
Assim,
acreditamos que a segunda objeção levantada é fruto de um conhecimento
incorreto do tema e também uma conclusão apressada, sem o aprofundamento que o
assunto carece, pois não se conhece, em Roma, um movimento que tenha como
centro algum outro Cristo, que tenha sido executado na época de Tibério e
Pilatos, que não seja Jesus.
Quanto ao
fato de Tácito ter usado o título de procurador e não prefeito, o autor da
objeção parece não ter conhecimento que na mesma obra, “Anais”(2004, 12.60),
Tácito explica como naquele período específico da história, Pilatos havia
acumulado as funções de procurador e prefeito, por ordem do Imperador Cláudio.
Quanto à
última objeção, é razoável ponderar que os primeiros apologistas não usaram
essa passagem porque não havia nos primeiros anos do cristianismo, dúvidas
sobre a existência histórica de Jesus. Para que então, usar os escritos de um
inimigo do cristianismo? Foi somente no séculoXVIII sob a égide do Iluminismo,
que começaram a surgir às primeiras dúvidas sobre a historicidade de Cristo
(CORNELLI, 2006, p.17) e a partir disto, é que se começou a utilizar não
somente esta, mas outras passagens advindas de fontes não cristãs.
Diante destes
fatos, somos obrigados a concluir que não existem boas objeções[15]
à autenticidade deste documento, o que o constitui, pois, uma importante
evidência do Jesus histórico.
O
Talmud
Denomina-se “Talmud”,
a coleção de discussões rabínicas sobre questões éticas, culturais e históricas
do judaísmo, que formam o livro sagrado dos judeus.
Foram compiladas duas versões do Talmud: uma
no século III, em Israel, ficando conhecida como Talmud Jerusalém. Uma segunda
versão foi compilada 200 anos depois, recebendo o nome de Talmud Babilônico.
É no Talmud
Babilônico, que se encontra uma interessante passagem:
[...]
Entretanto foi ensinado que, na vigília da festa da Páscoa, Jesus foi suspenso.
Porém, quarenta dias antes, o arauto havia proclamado que ele seria apedrejado
por praticar a magia e por ter seduzido Israel para a apostasia. Poderia, quem
quisesse, vir e falar algo em sua defesa, mas como nada foi feito em sua
defesa, foi suspenso na véspera da Páscoa. Ula objetou: “Tu acreditas que algo
poderia ser dito na defesa dele? Ele não era um sedutor, como fala a Escritura:
‘não o perdoarás, nem o defenderás?” Contudo, as coisas foram diferentes com
Jesus porque estava em relação com o governo.(Tratado do Sinédrio 43ª)
Essa passagem
é repleta de informações interessantes: a crucificação de Jesus à véspera da Páscoa
corroborando o que os Evangelhos afirmam; as “práticas de magia”, uma das
coisas pelas qual Jesus foi condenado, o que mais uma vez concorda com as
informações dos Evangelhos segundo a qual Jesus realizava atos tidos como
sobrenaturais e a expressão “relação com o governo” que seria, talvez, uma
referência à descendência davídica de Jesus.
Além da passagem
acima descrita, podemos também encontrar em outras partes do Talmud, passagens
que se assemelham ao que os Evangelhos nos informam sobre Jesus, aqui,
compilado por Paulo Ramos, no seu trabalho: Jesus: história ou ficção?
Talmud Sanhedrin, 67a - Ensina-se: Para todos as outras
puníveis com pena de morte [excluindo a idolatria] nós não ocultamos
testemunhas. Como tratam o acusado de idolatria? Apontam uma lâmpada para ele
na câmara interna e colocam testemunhas na câmara exterior de modo que possam o
ver e ouvir mas este não aspode ver ou ouvir. Diz-se-lhe "diz-me outra vez
o que me disseste em privado". Se ele disser "como podemos nós
esquecer o nosso Deus no céu e praticar idolatria?" e arrepende-se, tudo
bem. Se disser "esta é nossa obrigação e o que nós devemos fazer" as
testemunhas que o ouvem da parte externa devem dirigi-lo ao pátio e oapedrejar.
E assim fizeram a Ben Stada, em Lud [Lydda, a pouca distância de Jerusalém], e
penduraram-no na véspera da Páscoa. Ben Stada era Ben Pandira. Rabi Chisda
disse: O marido [da mãe] era Stada e oamante era Pandira. Não era o marido [da
mãe] Pappos Ben Yehudah? O nome de sua mãe era Stada.Mas não era a sua mãe,
Miriam, cabeleireira [megadla nashaia] das mulheres? Como se diz em
Pumbedita: Afastou-se [stat Da] do seu marido. (RAMOS, 2009, p.8)
Tosefta Chullin 2:23 - Aconteceu que o Rabi Elazar ben Damah
foi mordido por uma serpente e Yakob (ou Jacob, Iago, Tiago) da vila Sechania o
curou em nome de Yeshu ben Pandira, mas o Rabi Yishmael não o permitiu.(RAMOS,
2009, p.9)
As passagens fazem referência a um personagem
chamado Yeshua Ben Stada, também chamado de Yeshua Ben Pantera, com quem
podemos notar semelhanças com os relatos sobre Jesus nos Evangelhos.
Sobre estas passagens, Pedro Lucas Dulci informa:
Também podemos ver no Talmude outro título dado a Jesus em vista
de ridicularizá-lo, a saber, o título de “Ben Pandera”, ou seja, “filho da
pandera”. Muitos estudiosos afirmam que “pandera” é um jogo de palavras, um
trocadilho com a palavra grega panthenos, que significa “virgem”, ou seja,
estavam chamando-o de “filho de uma virgem”. Klausner novamente afirma que “o
nascimento ilegítimo de Jesus era uma ideia corrente entre os judeus”. É claro
que, como seria de esperar, justamente por essa crença popular, existe muitos
argumentos contrários a essa crença corrente entre os judeus dos primeiros
séculos quando ao nascimento virginal de Jesus. (Dulci, 2010, p. 5).
Werner Keller, em
seu clássico livro “E a Bíblia tinha Razão” também apresenta uma opinião semelhante:
Os
cristãos referiam-se a Jesus como o "filho da Virgem". Os judeus
aferraram-se a esse oportuno ponto de apoio, apoderando-se mais que depressa
desse mistério para difamá-lo. "Parthenos" em grego significa
"virgem". A palavra "parthenos" foi falseada. Com escárnio,
os judeus chamavam ao "filho da Virgem" "bem ha-Pantera",
que na sua língua queria dizer "filho da pantera”. Com o correr do tempo,
a origem dessa designação caiu no esquecimento. .Os próprios judeus não sabiam
mais que em seus próprios círculos Jesus era chamado com ironia pelo nome de
sua mãe. Dessa maneira a palavra escarninha "Panthera" e, com ela, a
narrativa tendenciosa adquiriram mais tarde um sentido completamente diverso.
(KELLER, 1992, p. 405)
Por essas razões, concordamos que essa fonte
judaica é a mais importante evidência histórica sobre Jesus fora dos
evangelhos,especialmente por se tratar de uma passagem cujo objetivo era
denegrir a imagem de Jesus, visto que, apesar do tom pouco lisonjeio, o
documento acaba por confirmar vários pontos que fazem parte da crença dos
cristãos espalhados pelo mundo. A saber:Jesus era um mestre itinerante da
Palestina; possuía seguidores; executava ações tidas como sobrenaturais; Foi
preso pelas autoridades da época; foi morto as véspera da páscoa.
Desta forma,
o documento que originalmente tencionava descontruir a imagem de Jesus, se
tonou uma imprescindível evidência, que hoje, nos ajuda a lançar uma luz histórica
sobre a vida de Jesus.
A carta de
Plínio, o Jovem.
Faz parte do arcabouço de fontes
externas referente à vida de Jesus, a carta de Plínio, o Jovem, ao Imperador
Trajano, redigida no ano 112 DC. (RAMOS, 2006, p, 53).
Segundo Dominique Monge Rodrigues de Souza
(2010 ,p.1), Gaius Plinius Caecilius Secundus, conhecido como Plínio, o Jovem,
por ser sobrinho de Plínio, o Velho, que o adotou em testamento por volta do
ano 80 e 81 DC, período em que também começou a sua carreira pública.
Nascido por volta de 61-62 teve uma vida
profissional próspera.
Sendo sobrinho de Plínio, o Velho, autor
e naturalista da Antiguidade que morreu na erupção do Vesúvio em 79, iniciou a
sua carreira por volta no ano 80, tornando-se questor[16],
efetivando desta forma sua entrada no Senado.Três anos mais tarde torna-se
pretor e em 94 se torna responsável pela administração do tesouro militar (praefectus aerarii militaris).
Em 98 se torna administrador do tesouro
público do templo de Saturno, onde por meio de suas relações interpessoais
consegue ser nomeado cônsul em 100 DC
E nestas condições é que no
ano 112 DC, Plínio, o Jovem, escreve uma carta ao imperador Trajano pedindo
conselhos de como agir com certo grupo de religiosos que se recusavam a fazer
juramentos:
As
acusações avolumaram-se, como costume, por causa dos procedimentos envolvidos,
e ocorreram vários incidentes. Foi publicado um documento anónimocontendo nomes
de muitas pessoas. Absolvi aqueles que negaram ser ou ter sido cristãos, quando
invocaram os deuses por palavras ditadas por mim e rezaram comincenso e vinho
perante a tua imagem...E as dos Deuses e, mais importante,amaldiçoaram Cristo –
o que, segundo se diz, nenhum verdadeiro cristão faria. Outros,nomeados pelo
informador [anónimo], declararam ser cristãos, mas depois negaram, todos
adoraram a tua imagem e as dos Deuses e amaldiçoaram Cristo.No entanto
asseguraram-me que o que precipitou a acusação foi o costume dereunirem-se num
dia fixo, antes do nascer do sol, para rezarem a Cristo como se estefosse um
deus; e fazerem um juramento, de não cometer qualquer crime, nem cometerroubo
ou saque, ou adultério, nem quebrar a palavra, e nem negar devolver umaquantia
emprestada quando exigida. Após fazerem isto, despediam-se e encontravam-senovamente
para a refeição [...] [RAMOS, 2006, p. 53].
Este trecho ajuda-nos a entender os
costumes dos cristãos primitivos, que se reuniam para rezar a Cristo “como se
fosse um deus”. A sua importância, reside no fato de que, sendo um documento
datado no ano de 112 DC, temos um espaço de 79 anos desde a morte de Jesus. Aos
que defendem a tese de um Jesus mitológico que surge depois da morte do Jesus
histórico, como David Friederich Strauss, levanta-se um problema crucial: no
mundo antigo, um mito leva no mínimo dois séculos para se formar, porém, no
caso de Jesus, temos um tempo insuficiente para que isso ocorra. (WHITE, 1963,
p.188-91)
O ensinamento do cristianismo sobre o
messias difere substancialmente do judaísmo. Para começar no judaísmo não havia
o ensino de um messias que sucumbiria perante os inimigos, muito pelo contrario,
o messias devera ser aquele que livraria Israel de uma vez por todas de seus
opressores. Certamente, como explica N.T. Wrigth:
Se um messias fosse morto pelos
pagãos, especialmente se ele não tivesse reconstruído o Templo ou libertado
Israel, este era o mais seguro sinal de que ele era mais um em uma longa linha
de falsos messias. (WRIGTH,1998, p. 8)
Sendo assim podemos concluir que em
pouquíssimo tempo, todo o sistema de crença cristã que envolvia um messias
crucificado já estava pronto, contrariando o que se sabe sobre o
desenvolvimento de mitos na Antiguidade. Surge aqui uma dificuldade para os
defensores do Jesus mitológico.
Ponto central da crença cristã é o
ensino da ressureição dos mortos que, difere sobremaneira da crença judaica.
No judaísmo a ressurreição assumia um
caráter simbólico, representando a restauração de Israel que fora libertada de
seu exílio babilônico. Fazia parte também a crença em uma ressureição literal
(Wright, 1998, p.10), dos mártires, dos justos e dos patriarcas, que
inauguraria a Era Vindoura.
Dizer a um judeu do primeiro século que
alguém pudesse ressuscitar dos mortos antes desta Era Vindoura, antes dos
patriarcas, dos justos e dos mártires era dizer algo totalmente estranho ao que
era ensinado pelo judaísmo (Wright, 1998, p.11).
Levando em consideração que o
cristianismo surgiu como uma dissidência, porém de origem judaica, é curioso
observar como essa nova práxis se desenvolve, especialmente em Jerusalém, onde
todos os fatos se desenrolaram e, portanto, local que deveria comportar um
maior número de testemunhas oculares. Ou algo extraordinário, no sentido
literal da palavra, algo que excede à ordem natural dos acontecimentos,
aconteceu, ou outra explicação será necessária como a que foi dada por Daniel
Soares Veiga, que em seu trabalho aponta para uma “especificidade sócio-histórica”
da região da qual Jesus era originário, a saber, a região da Galileia. (VEIGA, 2005, p. 120).
Segundo Veiga, essa região, desde a
época do Rei Salomão havia se distinguido tanto das demais regiões da Judéia,
que basicamente desenvolveu a sua própria compreensão sobre o messias e a
ressureição. Esta distinção histórica e sociológica serviria como explicação
satisfatória para a forma diferenciada como Jesus de Nazaré e depois seus
seguidores entendiam e ensinavam sobre crenças tão arraigadas na cultura
judaica.
As conclusões de Veiga, contudo, diferem
das de outro estudioso do tema.
Em uma entrevista concedida à TV PUC em
agosto de 2008, Richard Horsley, professor de línguas clássicas e da religião University
of Massachusetts, Boston, EUA, informa que a mensagem de Jesus, era distinta do
que era propagada tanto na Galiléia, quanto no restante da Judéia, haja vista
os casos de messianismo que ocorreram naquela região antes da época de Jesus,
sempre relacionados a rebeliões armadas e nunca com a uma ressurreição que ocorreria
antes da Era Vindoura.
Assim, relacionando esta nova concepção
cristã com a datação dos documentos que a relata, dentre as quais se inclui a
Carta de Plínio, o Jovem, temos ai um forte indício que depõe contra os
defensores do Jesus mitológico.
Conclusão
Diante de tudo o que foi apresentado
neste trabalho, podemos observar que as principais objeções que procuram
distanciar o “Jesus da história” do “Jesus da fé”, não suportam a uma análise
crítica: o fato de não existirem muitos relatos sobre Jesus feitos por
contemporâneos, se deve ao fato de que a figura de Jesus, só se tornar
importante quando o cristianismo se tornou religião oficial em Roma. Antes
disso, o cristianismo não passava de uma seita judaica sem maior importância e
que era combatido tanto pelos judeus, quanto pelos romanos.
Quanto aos Evangelhos, vimos que muitos
de seus relatos são corroborados por fontes independentes, o que certamente
fortalece o documento do ponto de vista histórico bibliográfico.
Tentou-se levantar que o fato de os
Evangelhos possuírem relatos sobrenaturais, o desqualificaria como possuidor de
crivo histórico. Claro que este argumento se desfaz facilmente, quando levamos
em consideração a função da disciplina histórica, que não inclui a análise de
questões metafísicas, não estando por isso, qualificada a tirar conclusões
negativas o positivas sobre o tema. Poder-se-ia objetar, entretanto, como de
fato foi feito, que faz parte da tradição historiográfica a análise das
crenças, mentalidades religiosas e do imaginário. De fato, isso tem sido feito
desde que foi iniciada, na França, a “história das mentalidades”. É obvio que
tal objeção é fruto de uma confusão entre o estudo dos “fatos metafísicos” tal
qual ele é abordado pela filosofia e o estudo das relações que as pessoas
desenvolvem com essas crenças, ou suas origens. Por exemplo, existe uma brutal diferença
entre estudar a influência que a crença na ressurreição de Cristo tem exercito
sobre um determinado grupo através dos tempos, do estudo da ressurreição de
Cristo enquanto acontecimento sobrenatural ao qual a história não tem acesso.
Assim, resta ao historiador se ater ao conteúdo histórico dos
Evangelhos, cruzando-o com outras fontes históricas, para tentar revelar o que
provavelmente aconteceu no passado.
Somando todas as evidências: a qualidade
dos Evangelhos enquanto documentos históricos e das fontes que corroboram seu
conteúdo, podemos encerrar afirmando que 2,2 bilhões de cristãos, têm a suas
crenças firmadas em sólidas bases.
Referências bibliográficas
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antigos
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Acessado dia 30/06/2012
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no site:
http://www.come-and-hear.com/sanhedrin/sanhedrin_43.html
Acessado dia 27/09/2012
[1]
Conclusões a que chegou claramente influenciado pelo movimento do Iluminismo
alemão
[2]
Alguns livros do Dr. William Lane Craig:http://www.casadabibliaonline.com/index?page=search/search_result&ath=10347&spage=1
[3]
Para ler artigos do Dr. Craighttp://feracional.net/2011/01/01/redescobrindo-o-jesus-historico-as-evidencias-de-jesus/
[4]
Dr. Craig se tornou nos últimos tempos, particularmente conhecido com a
divulgação de seus debates no youtube. Para assistir ao debate entre William
Lane Craig com Bart Ehrman, acesse http://www.youtube.com/watch?v=mIfWl1_dIVI
[5]
O gnosticismo são correntes filosóficas que, a partir do século II, buscou se
contrapor à visão mais antiga de Jesus, apresentando-o como um ser unicamente
espiritual. Há indícios de que o evangelho de João tenha sido escrito para
combater esse ensinamento.
[6]
A Igreja Cristã Primitiva são os primeiros agrupamentos formados pelos
cristãos, antes de o cristianismo se tornar a religião oficial do Império
Romano.
[7]No
debate entre William Lane Craig e Bart Ehrman, em 2006, no College of Holy Cross,
em Massashusetts, EUA, o limite da pesquisa histórica ficou clara, quando
Ehrman argumentou sobre a impossibilidade de se provar acontecimentos
sobrenaturais pelos métodos históricos. O Dr. Craig, concluiu daí, que o
historiador não tem recursos para negar ou afirmar tais acontecimentos. Assim,
quando o estudioso afirma, por exemplo: “milagres não existem”, não pode falar
como historiador, mas sim, expor suas convicções filosóficas sobre o tema. Além
disso, o fato de algo não ser objeto de estudo da ciência não significa que o
tema não possa ser compreendido satisfatoriamente por outras disciplinas, como
a metafísica, por exemplo. Questões metafísicas, éticas, estéticas e
lógico-matemáticas não podem ser provadas cientificamente, mas estamos prontos
a admitir a existência dessas entidades, analisando cada qual em sua própria
disciplina.
[8]Denominam-se
sinóticos, os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, por esses conterem semelhanças
em suas estruturas textuais.
[9]Durante
a elaboração deste trabalho foi levantado à questão de que, por ser teólogo, o
trabalho do doutor Geisler não constituiria uma boa base. Não concordamos pelos
seguintes motivos: mesmo não sendo historiador de formação, um teólogo,
principalmente os especializados em apologética possui treinamento em história,
o que o habilita a levantar uma discussão histórica sobre o tema. Outro ponto
que consideramos ainda mais significativo é o fato de que trabalhos de teólogos
como John Dominic Crossam têm sido usados e recomendados por historiadores como
André Chevitarese e Pedro Paulo Funari, sendo também recomendado por nosso
orientador, como bibliografia a ser consultada para este trabalho. Pra
encerrar, podemos citar o Seminário sobre o Jesus histórico, que aconteceu no Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, em outubro de 2007, com a
presença de historiadores e teólogos, prova cabal de que os teólogos têm muito
a contribuir ao debate histórico sobre Jesus. Desde os anos 60-70 a
interdisciplinaridade tem sido praticada pelos historiadores sempre com
excelentes resultados e, no caso do estudo do Jesus histórico, não tem sido
diferente.
[10]
De fato, os textos do Alcorão precisaram passar pela revisão de Orthman e,
mesmo assim existem sete variações deste texto revisado.
[11]
Inserções posteriores a um texto original
[13]
Criado pelos persas, assimilado pelos cartaginenses e copiado pelos itálicos, a
crucificação era uma forma de execução que misturava elementos de vergonha e
tortura.
[14]
O material lendário sobre Alexandre, o Grande só apareceu séculos depois.
[15]
Durante a elaboração deste trabalho tentou-se objetar que, o fato de um
documento ser autêntico não,impede ter ele conteúdo fictício. Concordamos com a
afirmação. Contudo, gostaríamos de ressaltar que até o momento, não nos foi
apresentado um motivo para duvidar dos fatos aqui expostos. A obra “Anais”, de
Tácito é reconhecida e respeitada por vários estudiosos como o professor A. R.
Birley, especialista em história Antiga e A. J. Woodman, professor de história
Antiga e Clássica da Universidade de Durham, Inglaterra, responsável por uma
excelente tradução desta obra para o inglês.
Nenhum estudioso sério desta obra insinuou que seu conteúdo fosse
fictício, sem omitir, contudo, o fato de que em se tratando de fontes antigas,
dúvidas e fatos obscuros são frequentes.
[16]
Questor era o cargo público romano, primeiro passo para a escalada política.