Lembro-me da primeira vez que
fiquei em pé em frente a um grupo de alunos. Na época eu ministrava aulas de
informática. Estava nervoso, as mãos tremiam e a voz vacilava. Mas ao voltar
para casa naquela noite de sábado, a sensação foi indescritível. Hoje não me
vejo capaz de fazer outra coisa além de ensinar.
Sempre fui atraído pela ideia de
ser um transmissor de informações relevantes para as pessoas. Ajuda-las a
trilhar o caminho, abrir as portas, mostrar possibilidades.
Uma das matérias que eu mais
gostava de trabalhar com meus alunos nesta época era o Marketing Pessoal.
Quando eu dissecava todos os mistérios concernentes ao primeiro emprego, podia
observar em cada rosto o interesse e a expectativa pelo futuro.
Não posso dizer que tudo foi
assim tão mágico em todas às vezes. Houve ocasiões que me vi frustrado com o
desinteresse, cansado pelo descaso e desmotivado por tentar me comunicar com
quem não queria ouvir.
Houve momentos onde nem mesmo ousava encarar os alunos
enquanto lecionava. Temia que as expressões vazias e as posturas sorumbáticas
me tolhessem a capacidade de lecionar. E isso, ainda dando aulas em cursinhos.
Não foram raras às vezes em que
senti o peso do fracasso profissional sobre os ombros, perguntando-me o porquê
de não conseguir dialogar de maneira satisfatória com meus alunos. O lado
financeiro, para mim, nunca fora o mais importante. O que eu queria mesmo era
tocar a alma daqueles jovens, fazê-los despertar. Isso raramente aconteceu.
O que eu fazia de errado? Meu
estilo era formal demais para as jovens e ágeis mentes do século XXI,
acostumadas desde a tenra infância a receber múltiplos estímulos? Seria eu
herdeiro de uma pedagogia ultrapassada e de uma didática obsoleta? Se este era
o caso, porque isso não acontecia em cem por cento das aulas?
Quando desisti do ramo da
informática logo após concluir a licenciatura em História, levei essas questões
na bagagem quando me mudei de Mauá, cidade do ABC paulista, para Juína, cidade
que se localiza em plena floresta amazônica, fazendo parte do Estado do Mato
Grosso.
De volta ao ponto de partida me
vi nesta cidade, de frente para alunos da rede pública do EJA, tão nervoso como
da primeira vez.
Lecionando geografia não demorou
para que os mesmos problemas se manifestassem, alternando raros momentos em que
conseguia prender a atenção dos alunos com noites dando aulas para as paredes.
Um episódio que ficará para sempre
gravado em minhas sinapses: uma conversa na sala dos professores sobre um
colega, professor recém-aposentado, cuja frase de despedida foi: “cansei de dar
pérolas aos porcos”.
Frustrado, mergulhei em livros de
pedagogia e didática, buscando técnicas que me ajudassem a romper essa barreira
professor\aluno. Renovada as forças, ansiava pela oportunidade de por em
prática o que havia aprendido em minhas pesquisas, o que aconteceu alguns dias
mais tarde quando recebi um telefonema de uma escola pública, precisando de um
professor de história para substituir a que saíra de licença médica.
Desta vez optei em variar a
abordagem com aulas expositivas, filmes e slides em um esquema rotativo, na
tentativa de manter o interesse dos alunos. Certa feita, uma aluna me disse ao término
de uma aula:“agora sim, estou entendendo história”, o que me fez sentir como o
único ganhador da mega-sena acumulada.
Houveram manifestações parecidas
em outras turmas. Contudo, a maioria ainda continuava dispersa. Conclui que se
você tem uma sala de, digamos trinta alunos, e você só consegue se comunicar
com três, tem algo de muito errado no trabalho sendo desenvolvido. Sendo assim,
o que estava errado?
Esta pergunta ocupou minha mente
durante várias semanas. Até que, numa manhã de segunda-feira, tive uma
epifania. Lembrei-me do relato proferido por uma colega, na sala dos
professores da última escola em que lecionei.
Expôs ela, indignada, que ao
corrigir um erro de português cometido por certa aluna durante um colóquio,
obteve a seguinte resposta mal educada: “Você não é professora de português
para me corrigir”.
Não sei o que aconteceu depois.
Mas essa lembrança me deu uma pista para a elucidação do problema que me afligia.
Problema que se encerra na própria cultura criada e desenvolvida na sociedade
brasileira.
Educar se transformou em sinônimo
de coagir. O educador é um inimigo opressor, que impede o aluno de fazer o que
ele realmente deseja. Ensinar é nada mais do que demonstrar a superioridade do
professor sobre o aluno, sendo este humilhado por sua ignorância.
Existe em nossa coletividade uma repulsa
cultural pelo saber que se manifesta nas mais variadas formas: na TV, o
estudioso é sempre o boboca da turma, alvo das gozações e do desprezo dos
colegas de classe. A aula e a escola não recebem melhor tratamento nesta
situação, onde a imagem do aluno rebelde é glorificada quando não idolatrada,
em detrimento à rotina escolar.
Na literatura, na música, no
cinema, entre outros, a educação é igualmente vexada. Criou-se a imagem de que
o aluno é um ente passivo, não precisando assumir as rédeas de sua própria
educação.
É possível que alguém sinta vontade
de usar o velho chavão: “A arte imita a vida”. Todavia, acredito ser
imensamente apropriado perguntar que tipo de arte e educação vem à tona no seio
de uma sociedade doente. A resposta que me parece óbvia é a de uma arte e
educação igualmente doentes.
Observo o trabalho da pedagogia e
da didática, apresentando ao aluno uma nova proposta de educação na tentativa
de extinguir o sentimento beligerante cultivado no país desde o início da
década de 80 e que agora, principalmente nas grandes capitais, descortina um
clímax com agressões morais e físicas ao professor.
E por falar em agressões, hoje
mesmo no noticiário da TV assisti a reportagem sobre um motim de alunos em uma
escola pública de Minas Gerais onde os “estudantes”, além de depredarem a
escola, fizeram vários professores reféns trancando-os em uma sala.
Levando em consideração muitos
outros casos semelhantes que se alastram pelo país, parece-me lógico acreditar
no retumbante fracasso das teorias educativas.
“Eu não dou aula, dou show!”, diz
com frequência um professor da faculdade onde meu irmão se formou em
administração.
Na esperança de despertar o
interesse dos alunos, observo a moda das “aulas shows” com professores utilizando
recursos dos mais diversos: guitarras amplificadas, luzes, efeitos
pirotécnicos, e demais expedientes dignos de um show da Lady Gaga.
Louvo o esforço de tais
profissionais, mas as recentes pesquisas que colocam o estudante brasileiro
como um dos piores do mundo, ainda me faz cético da eficácia de tais métodos.
O problema da educação brasileira
é cultural.
Para o aluno brasileiro escola é
um lugar para ficar sentado por três ou quatro horas, ouvindo uma pessoa, com a
qual ela não tem a mínima empatia, falar. Sendo assim, para eles é
perfeitamente justo se rebelar com as mais nefastas manifestações de rebeldia
em sala de aula.
Precisamos de educadores renovados, capazes de
formar advogados, políticos, artistas, entre outros. Uma classe capaz de
realizar uma revolução cultural na sociedade. Uma revolução que semeará um
caráter ativo do estudante brasileiro. Só assim será possível uma mudança no
quadro calamitoso da educação.
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