sábado, 31 de março de 2012

A origem do pensamento humano.

O homem.  Espécie singular.
Desprovido dos mesmos recursos que garantiram a sobrevivência de outros seres, como força bruta, presas poderosas, rapidez e agilidade, tornou-se quase um ser extinto em determinada época de sua história. De fato, de todas as espécies do gênero, somente o Homo Sapiens sobreviveu. Suplantou com a razão os que lhe eram superiores em força bruta, subjugando-os e se estabeleceu como uma espécie dominante.
Acreditamos que não caiba neste trabalho especular sobre os propósitos envolvidos nesta  radical mudança de condição inferior para superior. Assim, deixaremos o tema em aberto para a teleologia, nos concentrando na questão histórica e filosófica deste evento que mudou a história do planeta Terra.
A antropologia biológica é a ciência que estuda a evolução física do homem. É ela que investiga as origens do ser humano moderno e de seus antepassados. Uma corrente de estudiosos desta área postula que o desenvolvimento da razão humana está ligado a uma dieta rica em ácidos gordos Omega 3, que promoveu o desenvolvimento do cérebro e dos processos cognitivos que governam a razão.
Algumas perguntas pertinentes seriam quando e de que forma isso se deu.
É impressionante, por falta de expressão que melhor se adéqüe, observar as pinturas da caverna de Altamira, na Espanha, e por elas constatar que somos tão inteligentes quanto os homens do período Neolítico. Já naquele período os habitantes da caverna possuíam intelecto suficiente para construir figuras com tal nível de sofisticação que levou Picasso a exclamar: “Não inventamos nada!”.
Se o homem do Neolítico nada deve aos modernos em termos de capacidade cognitiva, é razoável concluir que já naquela época o homem possuía crenças e valores que lhe ajudavam a sobreviver: regras de como se relacionar com outros homens, com sua família, com a natureza, entre outros.
Pela experiência foram aprendendo a melhor forma de lidar com os problemas do dia-a-dia, transmitindo o conhecimento acumulado para gerações futuras. Envolto numa aura pragmática, essa primeira forma do conhecer e do saber, acompanhando o galope do tempo, assumiu formas mais complexas e elaboradas.
Este ser humano sobrevivente, pensante e criador, mergulhado na escuridão da caverna que lhe dava proteção, como uma encarnação do mitológico ensino platônico, ousou avançar além do mundo que lhe circulava, alcançando um novo patamar de pensamento.
Abandonou a caverna do pragmatismo e contemplou com a sua recém nascida razão, o universo que pra ele se exibia, misterioso, magnífico, perene.
Fora da caverna, olhou para o sol que iluminava seu caminho e para o fogo que ele próprio, homem, produzira, usando-o para muitas atividades.
Olhou para as árvores, para as montanhas, para o mar. E olhou para a ferramenta que tinha em suas mãos e para as armas que carregava. Percebeu que ele, homem, era um criador. 
Percebeu que, assim como ele trouxera à existência muitas coisas que lhe ajudavam no seu dia-a-dia, também havia o sol, a lua, as estrelas, as montanhas, as árvores, o vento, em fim, o mundo fora da caverna. Ponderou, com sua razão, a possível existência de outro criador além dele próprio, e como eram grandiosas essas criações! Grandioso também teria que ser esse Criador! Tão grandioso deveria ser, que a ele foi creditado coisas como a chuva lhe fornecendo a água necessária para a sobrevivência, as plantas que o alimentava, e todos os demais aspectos da natureza. Tão grandioso deveria ser esse criador, que ele deveria ser o motivo da própria existência deste homem, afinal ele próprio, homem, era capaz de se juntar a outro ser humano e criar a vida.
Agora esse humano podia desconfiar de que os períodos escassos que lhe ameaçavam a vida poderiam ser devido a algo que, talvez, tivesse aborrecido a este grande criador, pois o homem assim procedia quando outro lhe aborrecia: impunha-lhe restrições. 
Diante disto, este homem buscou maneiras de agradar ao grandioso criador, de se reconciliar com ele, como este mesmo homem fazia quando precisava se reconciliar com algum outro, em troca da sobrevivência.
O problema era como: como achar esse criador? Quem era ele? Onde habitava?
Para alguns, pareceu óbvio que o criador tinha que ser visível, como o Sol e a Lua, tão magnificamente habitando o céu. Sim, talvez eles mesmos, Sol e Lua, fossem os criadores que tanto buscavam. Trataram, então, de estabelecer formas de se religar, reconciliar com seus criadores.
Para outros o criador, ou criadores, poderiam ser certos animais misteriosos e imponentes.
Outros sonhavam. E pelo sonho constatavam que o criador lhes falava. Construíam estátuas, ou realizavam pinturas em suas cavernas representando a mensagem do criador.
Cada grupo criou sua forma de se relacionar com seus criadores. Nasciam os primeiros cultos, dogmas que serviriam mais tarde como ferramenta de unificação dos grupos.
Diante disto outra pergunta se faz necessária: seriam as crenças humanas verdades em si mesmas ou apenas formas de garantir a sobrevivência? Eis aqui, uma pergunta crucial.
Para a evolução a verdade é tudo o que possibilita a sobrevivência. Ela não se importa se algo é verdadeiro em si mesmo ou não, bastando que ela promova perpetuação das espécies.
Desta forma alguém pode acreditar, por exemplo, que as chamas de um incêndio na floresta podem causar queimaduras suficientes para matar, ou irão apenas fazer cócegas que incomodarão muito!
Contanto que a pessoa saia de lá e viva, para a evolução ambas as afirmações são verdadeiras.
Deveria, pois, o homem bradar a todo fôlego sobre verdade essencial das coisas? Voltar para caverna e anunciar aos que ainda estão lá, sobre tudo o vira do lado de fora? Ou deveria calar-se, aceitando que a “verdade” nada mais é do que uma ilusão, e o que importa nesta vida é continuar existindo custe o que custar?
Se o que define o certo e errado são as convenções humanas: humanos se juntam, decidem o que é necessário para o bem estar da comunidade e transmitem esses valores para as gerações futuras, as implicações disso são, no mínimo, perturbadoras.
O que há de perturbador? Pra começar, a simples possibilidade de existirem sociedades que por convenções sociais, chegaram a uma conclusão diferente das demais. Se os valores morais, por exemplo, dependem das convenções sociais e essas estão ligadas a outros fatores, como meio ambientes condições climáticas, dentre outros, então é correto afirmar que esses mesmos valores morais se desenvolverão de uma forma diferente de sociedade para sociedade.
Se todas as crenças humanas são frutos de uma evolução biológica, frases como “Matar crianças é errado” ou “Estupro é uma coisa má”, são apenas ilusórias. São sentenças que simbolizam uma evolução do pensamento humano, com o intuito de preservar a espécie. Não são verdades em si mesmas.
Claro que ninguém em sã consciência, provido de uma boa capacidade racional, concordaria com a sentença: “Estuprar é certo”.  E nos parece estranho que a crença na proposição de que “o estupro é uma coisa má” depende de meras convenções sociais, atreladas a uma série de fatores ambientais, pois se assim for, existiriam situações onde tal atitude seria não somente justificável como defensável. Contudo, parece haver um consenso na proposição “o estupro é uma coisa má”, independente das opiniões, convenções ou condições ambientais.
A maioria dos seres humanos parece pronta a concordar no fato de que mesmo se todo o mundo começar a pensar que o estupro é certo, ainda assim ele seria errado. Ele é errado independe de qualquer opinião ou contexto.
Sendo assim, parece-nos fácil afirmar que tal proposição já era errada, mesmo antes dos primeiros seres humanos começarem a sua jornada na Terra. E se já era errado, temos então uma lei moral que independe das opiniões humanas e que já existia antes da mente humana vir à existência. Esse seria um dos componentes da Verdade. Não aquela “verdade” submissa ao contexto social de cada um, mas algo muito superior, tão desesperadamente procurada, tão incansavelmente desejada e cujo vínculo com ela, desde sempre o homem procura religar. Até agora, parece que ninguém conseguiu.
Porém, durante a sua trajetória, por entre as eras, o ser humano ainda continua tentando. Se algum dia alguém conseguir, esperamos que ele tenha a coragem de voltar para a caverna e nos avisar. E que nós tenhamos a prudência de ouvi-lo sem jamais condená-lo.

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