Se existe uma verdade muito mais
do que observável na vida, é a verdade de que o mundo não é um local inerte. O
mundo observável tal qual uma massa de modelar assumindo várias formas diante
das mãos de quem nela trabalha, modifica-se em ritmo, por vezes, alucinante,
diante de irresistíveis e não raro, catastróficas forças.
Às sociedades diante destas mudanças,
não são meros expectadores, pois, através de seus trabalhos, modificam a
natureza de forma a adaptá-la às suas necessidades. Tais mudanças são
inevitáveis e, por vezes, acabam afetando outros povos, outras sociedades nos
lugares mais distantes.
Os diversos povos indígenas que
habitavam as terras onde hoje é o Brasil na época da chegada dos portugueses,
também não escaparam a essa força modificadora que a todos abraça. Junto com os
sonhos de riqueza e aventura, na bagagem destes europeus também havia o desejo
das almas, já que Portugal nesta época tinha plena convicção do seu papel de
porta voz do cristianismo.
Ao desembarcarem de suas
caravelas naqueles vinte e dois de abril do ano de mil e quinhentos, deram de
cara com uma diversidade de povos que habitavam em enormes aldeias, bem maiores
do que as existentes no dia de hoje.
Durante aproximadamente trinta e
cinco anos, a colonização destas novas terras não fizeram parte das prioridades
da coroa portuguesa. Todavia, as constantes ameaças de invasão estrangeira,
sobretudo francesas e holandesas, fizeram com que o governo português desenvolvesse
um plano de colonização.
Para concretizar tal gigantesca
missão muitos obstáculos teriam que ser superados e, o primeiro deles, seria o
controle da grande população de indígenas que vivia na região. Talvez a tarefa
fosse menos complexa se os portugueses tivessem que lidar com uma massa
homogênea de povos. Mas, a realidade que se apresentou a eles, foi a de uma
diversidade de línguas e costumes. Assim, o cristianismo significou uma solução
ao problema, uma ferramenta ideal para unificar os costumes dos povos e lhes
arrefecer o espírito guerreiro.
Para o indígena, o cristianismo
se tornou uma forma de sobrevivência, pois ficou claro para esses povos que
nada mais seria como antes. Abraçar a cultura dos estrangeiros era uma forma de
lutar nos próprios termos dos dominadores.
A identidade indígena,
inexistente até então, surgiu do contato com os portugueses. Na mente do
indígena criou-se a separação “Eu índio/Eles brancos”. O cristianismo tornou-se
a porta de entrada para o mundo branco.
As relações entre os indígenas e
os padres jesuítas encarregados da evangelização, evidentemente, não foram cem
por cento amistosas. O registro histórico nos informa que o choque cultural
muitas vezes causaram confrontos que terminavam em castigos físicos e padres
canibalizados.
O maior erro deste primeiro
contado foi justamente a imposição. Os primeiros cristãos, sem a força do
Estado, convenciam, enquanto os últimos, já com a força do Estado, impunham. E
pela força dessa imposição, sem a chance de seguir o caminho espiritual natural
do cristão que é convencido, os povos indígenas manifestaram um cristianismo
bem diferente do que pretendiam os jesuítas.
Embora, de certa forma, a
conversão do índio fosse benéfica ao interesse econômicos da coroa portuguesa
tal interesses muitas vezes se chocavam com os dos jesuítas, que não viam com
bons olhos, por exemplo, a utilização de mão de obra escrava oriunda dos povos
indígenas. Essas tensões que reverberando até os colonos, resultaram na Revolta
de Beckman, indicam que as motivações econômicas não eram as únicas,
principalmente quando se leva em consideração o papel que Portugal julgava ter
dentro dos objetivos cristãos.
O fenômeno da conversão, muito
embora possua a propriedade de fazer com que o indivíduo corrija uma trajetória
que se desviou da rota apropriada, não altera as características que distinguem
a pessoa. Saulo de Tarso não deixou de ser quem era, quando se tornou São
Paulo, apóstolo. Pedro, depois da conversão, continuou a ser o mesmo sanguíneo
Pedro com tudo o que o caracterizava como tal, só que agora, novamente na rota
que o Criador originalmente havia programado para todo o gênero humano, desde os
primeiros momentos da criação.
O indígena que é restaurado na
direção do alvo original, não deixa de ser índio, pois ainda mantem todas as
características que o definem como tal. Ele fala como índio, sente como índio,
pensa como índio. Sua história, suas lembranças, tudo, enfim, continua a ser o
que sempre foi e assim será até o último bater de seu coração. Um índio cristão, não é menos índio do que
qualquer outro.
Os primeiros missionários
jesuítas eram meios imperfeitos de transmissão de uma mensagem perfeita. A
cacofonia gerou violência e abusos. Todavia, pelos méritos da própria mensagem
que a tudo renova e aperfeiçoa, o que era violência e abuso, hoje é vida e
esperança, que ajudou a preservar a cultura dos povos na medida em que se
tentava a comunicação nos seus próprios idiomas e costumes. Muitos destes
costumes, aliás, ficaram registrados em milhares de documentos graças às
anotações dos primeiros missionários.